Chanceler de Lula critica propostas de Trump e fala em 'intimidação'

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Evitando citar o nome de Donald Trump, o chanceler Mauro Vieira usou um discurso feito nesta sexta-feira no Rio de Janeiro para criticar algumas de suas principais propostas, denunciar a "lei do mais forte" e alertar sobre práticas de "intimidação" no comércio.
Segundo ele, o mundo passa por um momento de incertezas e com uma "tentação de desmonte da ordem, não raro nas próprias praças em que ela foi concebida e que mais se beneficiaram dela".
Sem recorrer explicitamente ao presidente americano, o chefe da diplomacia de Luiz Inácio Lula da Silva foi contundente ao alertar para os riscos que suas propostas representam.
"O noticiário recente no campo comercial - com uma profusão de medidas protecionistas e de intimidação unilateral por meio de tarifas - coloca em evidência esse processo", disse.
Trump ameaçou colocar tarifas sobre México, Colômbia e Canadá nos últimos dias. Elas apenas foram evitadas depois que esses governos aceitaram as exigências de Trump.
Segundo Vieira, os países estão "diante das consequências concretas da crise prolongada da Organização Mundial do Comércio e da paralisia do seu sistema de solução de controvérsias".
"Projeta-se sobre a ordem - ou ameaça convertê-la em desordem - o espectro da lei do mais forte", alertou.
Gaza e risco de limpeza étnica
Segundo ele, outro "exemplo até assombroso" dessa lei do mais forte foi a "proposta de desterrar toda a população de Gaza ao arrepio dos mais basilares princípios do direito internacional, arduamente consolidados nos últimos 80 anos".
Uma vez mais, ele não citou que a proposta era de Trump. Mas insistiu na posição tradicional do Brasil.
"A defesa da solução de dois Estados é ainda mais importante neste momento em que, como afirmou há pouco o Secretário-Geral das Nações Unidas, não se deve piorar o problema de Gaza tentando resolvê-lo", disse.
"Como disse o Secretário-Geral António Guterres - e cito -: "É essencial evitar qualquer forma de limpeza étnica", alertou.
Para ele, "o desregramento e a primazia da força não beneficiam nem o Brasil, nem o mundo". Sua postura é de que a ordem mundial deve ser sustentada e reformada. "Em uma palavra, a ordem deve ser reinventada", disse.
Brics e moeda local
Vieira ainda indicou que uma das grandes apostas do Brasil é o fortalecimento do Brics. "A "comunidade internacional" já não se limita, com efeito, à voz de uns poucos países", disse.
"Conforme o mundo se reorganiza em torno a dois e possivelmente a três ou mais polos de poder, a contribuição do Sul político do globo vai se tornando ineludível", disse.
"O mundo multipolar não é só uma realidade incipiente; é também objetivo de uma política externa que busca, no reequilíbrio do poder global, um sustentáculo mais firme da ordem", defendeu.
Segundo ele, "nenhuma noção de ordem poderá ser edificada, hoje, sem que se ouça a voz do BRICS, o grupo que melhor representa os anseios do mundo em desenvolvimento".
Apesar das ameaças de Trump de impor sanções contra quem se afastar do dólar, o chanceler indicou que o bloco seguirá "empenhado em desenvolver instrumentos de pagamento locais que facilitem o comércio e o investimento intra-bloco".
Chanceler defende autonomia da diplomacia brasileira
Ao examinar a situação internacional, ele apontou como o mundo "testemunha a conflagração da vida política pela radicalização e pela desinformação, com impacto adverso sobre a convivência democrática nas mais diversas latitudes e longitudes".
"Observamos a fragilização - e às vezes a falência - de instituições internacionais criadas para canalizar, conter e equacionar conflitos entre Estados", afirmou.
Em seu discurso, o chanceler ainda sinalizou o caminho que o Brasil adotará diante dos desafios internacionais: a busca da autonomia.
"Com a erosão da ordem e a tentação da desordem, o mundo atravessa uma era de acentuada imprevisibilidade", disse.
"Não cederemos à ansiedade do ritmo vertiginoso da mídia em tempo real e das redes sociais. Tampouco nos deixaremos levar pelo imediatismo na resposta aos desafios que se apresentem. Continuaremos a nos orientar por um estilo diplomático sereno, sóbrio e pragmático", prometeu.
"O Brasil, uma grande democracia do Sul Global - universalista em sua capacidade de diálogo e na diversificação de suas parcerias - seguirá fiel ao preceito autonomista ensinado pela tradição e comandado pela Constituição", completou.
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