Brasil teme taxa de Trump em aço e pressão em etanol e prepara retaliação

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O setor privado brasileiro e o governo Lula se preparam para o que pode ser a primeira onda de tarifas de Donald Trump contra o país, já a partir dos próximos dias. A preocupação é de que as taxas ou barreiras possam ser aplicadas em setores como o aço, ou como retaliação numa pressão para que o mercado de etanol do Brasil seja aberto ao produto americano.
Como resposta, o governo já começa a preparar uma lista de produtos americanos que poderiam ser retaliados, caso as exportações nacionais sejam afetadas, assim como começa a ser feito um mapeamento de como as cadeias de fornecimentos e de produção seriam afetadas.
No Itamaraty, no Palácio do Planalto e no Ministério do Desenvolvimento, técnicos e diplomatas admitem que o cenário de uma tarifa contra o Brasil não pode mais ser descartado.
A percepção se acentuou na sexta-feira, quando o presidente americano informou que, no começo da próxima semana, anunciaria "tarifas reciprocas" contra diferentes economias em todo o mundo. Trump já citou em duas ocasiões o Brasil como exemplo de locais onde as tarifas contra produtos americanos são elevadas e onde os EUA não seriam tratados de forma "justa". Desta vez, o presidente não mencionou quais países seriam afetados e indicou apenas iria dar início à correção da relação comercial com diferentes economias.
"Vou anunciar um comércio recíproco para que possamos ser tratados de forma igual a outros países", disse Trump. "Eles nos impõem impostos, nos vamos impor a eles", alertou.
A declaração acendeu um sinal de alerta no setor privado brasileiro, que já não descarta que o anúncio possa afetar o Brasil.
O governo Lula também não vê mais como impossível que as tarifas cheguem. Mas considera que pode haver um tratamento diferenciado para o Brasil e que seja evitada uma tarifa mais elevada que atravessará toda a pauta comercial.
Um dos critérios ditos por Trump para impor tarifas tem sido o desequilíbrio comercial. Mas como os americanos contam com um importante superávit com o Brasil, a esperança é de que essa lógica de "reequilibrar" a balança não faria sentido.
Um levantamento da Câmara Americana de Comércio (Amcham) indicou que o saldo positivo para os EUA já dura uma década. Em 2024, as exportações brasileiras para os EUA atingiram um volume recorde de US$ 40,3 bilhões em 2024. Mas as importações brasileiras provenientes dos EUA totalizaram US$ 40,6 bilhões, aumento de 6,9% em relação a 2023.
Na sabatina no Senado, o novo representante comercial de Trump, Jamieson Greer, citou as diferenças tarifárias com Brasil e Vietnã.
De fato, a taxa média de importação imposta pelos EUA é de cerca de 2,2%, contra 6,7% no caso do Brasil. No caso do comércio bilateral, os americanos aplicam uma tarifa média de 1,5% aos bens brasileiros, contra uma taxa de 11,2% do Brasil sobre os itens americanos.
Mas a média não é suficiente para entender a relação comercial. Nos produtos de maior interesse do Brasil, as taxas americanas chegam a inviabilizar o comércio.
Aço e etanol
O que pode pesar, porém, são setores específicos, como o do etanol ou do aço. Nas conversas bilaterais nos últimos meses, os dois segmentos aparecem com frequência como atritos entre os dois países.
Produtos semi-acabados de ferro ou aço ocupam o segundo lugar entre os itens mais exportados para os EUA. Em 2024, o volume chegou a US$ 3,5 bilhões.
No caso do etanol, o governo brasileiro considera que poderá haver uma pressão americana para que Lula acabe com as tarifas de importação para o produto dos EUA.
No governo de Jair Bolsonaro, o Brasil eliminou as tarifas para o etanol americano. Mas, nos primeiros meses do governo Lula, o produto voltou a ser taxado em 18%.
Para atender a regiões dos EUA que votaram amplamente pelo republicano, a Casa Branca pode abraçar a reivindicação dos exportadores de estados como Iowa, Nebraska, Missouri, Indiana e Kansas.
O governo Lula também considera que Trump pode usar as tarifas como instrumentos de barganha em outras áreas, ou mesmo como punição. Uma delas seria o tratamento das plataformas digitais no Brasil, alvos constantes de questionamentos por parte do STF.
O Brasil também considera que pode ser "punido" por algum tipo de relacionamento mais próximo com a China, país que define hoje a política externa de Trump. O caso do Panamá foi considerado dentro do governo brasileiro como emblemático. A pressão e ameaças sobre o Canal do Panamá tinha como único objetivo desmontar a presença chinesa na América Central.
Para negociadores brasileiros, ficou evidente nos 20 primeiros dias de governo Trump que a Casa Branca usará o comércio como arma de dissuasão e de barganha. Num discurso na sexta-feira, no Rio de Janeiro, o chanceler Mauro Vieira criticou a "intimidação unilateral" e lamentou o desmonte da OMC, órgão que teria a capacidade de frear atos ilegais por parte de Trump.
Crise migratória blindada
O governo considera que conseguiu, a partir de negociações bilaterais, evitar que a deportação de imigrantes se transformasse numa crise que poderia atingir o setor comercial. Lula adotou uma postura de diálogo diante do tratamento dado aos brasileiros, garantindo um tratamento mais adequado aos imigrantes. Mas sem que isso tenha resultado num embate com Trump que justifique uma tarifa contra o Brasil.
Lista de retaliação
O governo brasileiro, ainda que não saiba quando e de forma as novas tarifas serão aplicadas, já iniciou um trabalho para identificar áreas nas quais poderia retaliar os EUA, da mesma forma que fizeram canadenses, mexicanos e chineses.
A resposta do governo não necessariamente viria com taxas extras, mas apenas retirando benefícios que hoje alguns produtos americanos contam para entrar no mercado nacional. Assim, portanto, as barreiras, estariam dentro das normas internacionais.
Uma lista final de produtos ainda não está concluída. Mas o esforço do governo é a de focar a resposta em setores e produtos que afetem de forma especial a base republicana e os apoiadores de Trump, principalmente nos estados que votaram pelo presidente.
No caso do Canadá, que tem no mercado americano 75% do destino de todas suas exportações, a lista de retaliação incluiu suco de laranja da Flórida e aço das regiões industriais que apoiaram Trump. Também foram colocados produtos como iogurte de Wisconsin e uísque de Kentucky. Uma sobretaxa sobre autopeças ainda afetaria Detroit.
Os europeus não escondem que se preparam para uma eventual guerra comercial, repetindo o cenário de 2017 e 2018. Naquele momento, Bruxelas elaborou uma lista de produtos americanos que foram taxados, em retaliação ao comportamento comercial de Trump.
As barreiras foram, portanto, impostas contra calças jeans, motos Harley-Davidson e produtos tradicionais como peanut butter. A meta era a de afetar estados que elegeram republicanos ou que possam representar um custo político elevado.
Naquele momento, a UE aumentou as tarifas sobre motocicletas de 6% para 31%. Alguns dias depois, a Harley-Davidson anunciou que estaria transferindo parte da produção para fora dos EUA para evitar as tarifas mais altas.
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