Jamil Chade

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Opinião

Trump lança guerra às cortes, desafia Constituição e repete extrema direita

Quando a sede da Corte Suprema dos EUA foi erguida, em 1935, um debate acalorado tomou conta da obra em Washington. Para muitos, o prédio erguido em um estilo antigo não fazia sentido. Mas a escolha por uma arquitetura clássica não era um erro de julgamento dos responsáveis. O objetivo era o de dar a impressão de que o Judiciário sempre esteve ali. Desde os primórdios do experimento da democracia americana.

Um século depois, é justamente o Judiciário que se apresenta como a grande trincheira contra o avanço da extrema direita. Imobilizado, o Congresso americano se transformou em um mero espectador de um governo que caminha para uma autocracia eleitoral.

Mas com mais de 40 processos e tendo barrado alguns dos projetos mais insensatos e desumanos de Donald Trump, as cortes fincaram uma barreira contra o desmonte do estado de direito.

Proporcional à resistência têm sido os ataques de membros do Executivo contra os juízes.

Trump, o primeiro presidente condenado criminalmente a entrar na Casa Branca, questionou a validade das decisões dos últimos dias que frearam seu sequestro das instituições. Para ele, os juízes são "politizados" e estão tentando impedir o trabalho de seu governo.

JD Vance, o vice-presidente, rasgou seu diploma de direito da prestigiosa Universidade de Yale quando sugeriu que um juiz "não está autorizado" a barrar os trabalhos de "um poder legítimo".

Elon Musk deixou escapar não apenas um gesto totalitário. Mas, ao pedir o impeachment de juízes, revelou uma atitude de ataque ao Judiciário que definiu o próprio fascismo.

Trump, JD Vance e seus conspiradores estão apenas repetindo o que a cartilha da extrema direita estipula: mentir, capturar o Estado e, se o projeto for barrado pelo Judiciário, desmontar o próprio poder dos juízes.

Como escreveu Timothy Snyder, "a pós-verdade é o pré-fascismo".

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Com a mesma cartilha, o partido ultranacionalista Fidesz na Hungria adotou em 2013 reformas para enfraquecer a separação de poderes entre o Legislativo e o Judiciário. Viktor Orbán, assim, passou a controlar as cortes.

Em 2015, o Partido da Lei e da Justiça da Polônia usou sua maioria no parlamento para mudar as leis que regem o Tribunal Constitucional e nomeou cinco novos juízes para a corte. Em 2019, o governo também criou uma nova câmara da Suprema Corte e alterou a lei para permitir que nomeasse e demitisse o chefe da Suprema Corte.

No Brasil, os conspiradores do bolsonarismo também escolheram o Judiciário como o grande inimigo. Assim como fazem os aliados de Trump, o ex-presidente brasileiro indiciado e inelegível anunciou sobre um carro de som que não cumpriria as ordens das cortes.

Não por acaso, em diferentes partes do mundo, a defesa do Judiciário passou a ser estratégica para barrar a extrema direita. Na Alemanha, uma reforma foi adotada em 2024 para reforçar a autonomia da Corte Constitucional e blinda-la contra a influência política. A ideia era de que inimigos da democracia não tivessem uma trilha para desmontar o Judiciário. Todos os partidos apoiaram a ideia. Salvo a extrema direita.

Quando autocratas chegam ao poder, desmontar a independência das demais instituições é central para que seu projeto de sequestro do estado possa existir. Seja para impor sua visão de mundo. Seja para concentrar o poder na mão de uma plutocracia.

Pensar que as instituições vão, por si mesmas, sobreviver e frear o colapso da democracia tem sido o grande erro em diversos países que apostaram na acomodação como estratégia de sobrevivência. Em fevereiro de 1933, um editorial de um jornal alemão liderado por judeus tranquilizava os leitores explicando que as propostas dos nazistas de retirar seus direitos ou de coloca-los em guetos não tinham como ser implementadas.

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Eram só bravatas.

Afinal, pensavam eles, viviam num país com instituições sólidas e uma Constituição.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

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