Sob Trump, ataques de ultraconservadores contra clínicas de aborto disparam

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A chegada ao poder de Donald Trump lançou grupos ultraconservadores, juízes e políticos principalmente do Sul dos EUA a intensificar os ataques contra médicos e clínicas que conduzem abortos, mesmo de forma legal.
Na semana passada, a Justiça do estado de Louisiana emitiu uma ordem de prisão contra a médica de Nova York, Maggie Carpenter. Seu crime foi ter receitado a uma mulher do estado no Sul dos EUA uma pílula do aborto. A consulta havia ocorrido por videoconferência e, em Nova York, a prática é legal e faz parte da constituição do estado.
Dias depois, as autoridades da Louisiana enviaram um pedido ao governo de Nova York para que a médica fosse extraditada ao Sul. Ela poderia pegar 15 anos de prisão, pagaria uma multa de US$ 200 mil e perderia sua licença médica de forma definitiva.
A governadora democrata de Nova York, Kathy Hochul, se negou a cumprir o pedido de extradição. "Eu não assinarei isso. Nem agora, nem nunca", disse a governadora. Ela ainda emitiu uma orientação à polícia estadual para que não cooperem com qualquer tipo de pedidos de investigação contra médicos.
Jeff Landry, governador da Louisiana, defendeu que o pedido apenas poderia ter "uma resposta correta". "Só assim Justiça poderá ser feita", disse. Para ele, o gesto da profissional teria sido "equivalente a enviar drogas que terminam no estômago de nossas crianças".
O caso, porém, teve uma ampla repercussão, já que se trata do primeiro a ter um componente criminal contra uma médica acusada de dar uma receita para uma mulher em outro estado. A mãe da garota que recebeu a medicação também foi alvo de uma acusação formal e se entregou à polícia.
Na semana passada, um juiz do Texas determinou que a mesma médica de Nova York pagasse uma multa de US$ 100 mil por ter receitado pílulas de aborto para uma mulher que vivia nas proximidades de Dallas. A consulta ocorreu por videoconferência.
Bryan Gantt, juiz de um dos estados com as leis mais restritivas dos EUA, ainda determinou que a médica fosse proibida de receitar a pílula para residentes de seu estado.
Os casos também testam a lei de Nova York, que protegem médicos que prescrevam o remédio, mesmo para pessoas de estados onde o aborto é ilegal.
Numa reação, Hochul ainda assinou uma nova lei permitindo que as farmácias não coloquem os nomes dos médicos nas receitas de pílulas usadas para interromper uma gravidez.
Pílulas são hoje responsáveis por 65% dos procedimentos de aborto nos EUA. Mas se transformaram em uma guerra política. No final da semana passada, o novo secretário de Saúde, Robert F. Kennedy Jr. anunciou que Trump solicitou que seu escritório iniciasse uma reavaliação da "segurança" da pílula, com um eventual impacto para as vendas dos remédios e maiores limitações para sua distribuição.
Na própria Louisiana, o estado passou a ser o primeiro a reclassificar pílulas como mifepristone e misoprostol - usadas em abortos - como "substâncias perigosas e controladas".
Assim que o governo Trump começou, o termo "aborto" deixou de aparecer em dezenas de sites oficiais. Nos mecanismos de busca de páginas do governo, o resultado apenas mostrava "pesquisa não encontrada". O site lançado pelo governo de Joe Biden sobre direitos reprodutivos passou a ficar fora do ar.
Em Memphis, ativistas revelaram ao UOL que um dos grandes impactos do primeiro mês de Trump no governo foi sua decisão de perdoar 23 pessoas que foram condenadas por violar a Lei de Liberdade de Acesso a Entradas de Clínicas. O indulto incluiu pessoas que cumpriam penas de prisão por impedirem fisicamente o acesso de pacientes a seus médicos.
Alguns dos crimes cometidos incluem invasão de clínicas, roubo de tecido fetal e abordagem de pacientes grávidas. Seis das pessoas perdoadas impediram pacientes de entrar em uma clínica.
Três das pessoas beneficiadas por indultos eram do estado de Tennessee. Um deles, Chester Gallagher, era policial identificado pelos promotores do caso como um organizador central de bloqueios de clínicas.
"Os indultos do presidente Trump convidam extremistas antiaborto a intensificar seus ataques a clínicas de saúde reprodutiva com impunidade", alertou Nancy Northup, presidente do Center for Reproductive Rights.
"Desde a notícia dos indultos, ouvimos de provedores de serviços de aborto em todo o país que eles estão aterrorizados com a segurança de seus funcionários e pacientes. Mesmo com essa lei em vigor, os ativistas antiaborto ameaçaram matar os provedores, bombardearam suas clínicas e assediaram suas pacientes", indicou.
Segundo ela, nos governos anteriores, as clínicas podiam contar com o Departamento de Justiça para fazer cumprir a lei, independentemente da opinião do presidente sobre o aborto. "Não mais. O presidente Trump declarou que é ele, e não o Congresso, quem decide o que é a lei e quem ela protege", disse.
Levantamentos revelam, de fato, que desde 2022, grupos ultraconservadores intensificaram os ataques contra médicos. O aumento da violência coincidiu com o momento em que a Suprema Corte americana repassou aos estados a responsabilidade por proibir ou não o aborto.
Nos doze meses seguintes à decisão, houve um aumento de 538% no número de pessoas obstruindo entradas de clínicas. Isso passou de 45 em 2021 para 287 em 2022. Houve ainda um aumento de 913% na perseguição de funcionários de clínicas e um aumento de 144% nas ameaças de bomba, de 3 em 2021 para 7 em 2022.
A Federação Nacional do Aborto também tem monitorado a violência contra provedores e clínicas de aborto desde 1977. Para a reverenda Katherine Hancock Ragsdale, diretora executiva da organização, a violência que os médicos enfrentam desde o primeiro governo de Trump está "além de qualquer coisa que já vimos antes".
A permissão para que os estados tivessem a liberdade de adotar suas leis próprias levou o Tennessee a adotar uma agenda antiaborto considerada como "extrema" por ativistas, incluindo uma proibição do aborto sem exceções para estupro ou incesto.
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