Jamil Chade

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Reportagem

Trump acusa Brasil de aplicar tarifas 'injustas' e cita país no Congresso

O presidente Donald Trump mencionou o Brasil como exemplo de um país que, segundo ele, trata os EUA de forma injusta no comércio internacional. A menção ocorreu em seu discurso diante do Congresso americano na noite de ontem. A referência ao país foi recebida no governo de Luiz Inácio Lula da Silva como um sinal de que o Brasil não será poupado de medidas protecionistas, ou pelo menos de uma pressão por parte da Casa Branca por uma negociação.

O uso do Brasil como exemplo de protecionismo se contrasta com os números do comércio bilateral. A Câmara de Comércio Brasil EUA destaca como a tarifa média cobrada pelo Brasil aos bens dos EUA é de apenas 2,7% e que o superávit americano é de mais de US$ 200 bilhões.

Foi a primeira vez em que Trump falou aos congressistas neste mandato, repetindo slogans de sua campanha, ataques às políticas de diversidade e ampliando a radicalização de suas propostas políticas.

Num tom messiânico e fazendo promessas de tomar territórios pelo mundo, Trump disse que foi salvo de um atentado em 2024 "para fazer os EUA grandes de novo". O discurso, repleto de mentiras e desinformação, foi o mais longo já feito por um presidente americano diante do Congresso.

No dia em que a bolsa desabou diante do risco de uma guerra comercial, o republicano defendeu sua política de tarifas contra aliados e adversários. Segundo ele, empresas estrangeiras estão supostamente transferindo suas fábricas para os EUA como forma de fugir dessas barreiras.

Trump, no entanto, teve de admitir que "algum distúrbio" pode ocorrer no curto prazo, em uma alusão à inflação e violando sua promessa de campanha de que adotaria medidas para reduzir o custo de vida dos americanos.

Além do Brasil, Trump criticou a Índia, China, México, Canadá e os europeus. Segundo o presidente, medidas de reciprocidade contra governos estrangeiros vão entrar em vigor a partir de 2 de abril. "O que eles nos colocarem de tarifas, colocaremos neles", disse.

"Todos os países se aproveitaram de nós por muitos anos, mas isso não vai mais acontecer", disse. Segundo ele, "haverá alguma dificuldade". "Mas tudo bem, não vai ser muita", disse.

A apologia às tarifas ocorre ainda no mesmo dia em que Canadá, México e China anunciam retaliações contra os EUA, instaurando uma guerra comercial com o potencial de jogar a economia global em um período de incertezas.

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Elissa Slotkin, senadora de Michigan, foi a porta-voz dos democratas para responder ao discurso do republicano. "Se ele (Trump) não for cuidadoso, seu governo irá nos levar à recessão", alertou.

Etanol

A referência ao Brasil ocorre duas semanas depois que a Casa Branca usou justamente a situação no país para justificar medidas protecionistas.

Em 14 de fevereiro, numa consolidação de sua estratégia comercial, Donald Trump publicou um plano de aumento de tarifas de importação e o estabelecimento de uma regra que cria um tratamento recíproco contra alguns de seus maiores parceiros comerciais.

O Brasil, naquele momento, foi citado no memorando assinado na Casa Branca como um exemplo de país que pode ser afetado por tarifas por conta de suas taxas impostas sobre o etanol americano.

A situação do etanol e a preocupação do governo brasileiro sobre esse ponto tinham sido antecipadas com exclusividade pelo UOL no início de fevereiro.

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Naquele momento, a Casa Branca acusou o Brasil de cobrar 18% de tarifas para o etanol dos EUA. Mas os americanos taxam o produto brasileiro em apenas 2,5%. O governo americano destaca que, como consequência dessa discrepância, "os EUA importaram US$ 200 milhões em etanol do Brasil em 2024, mas exportaram apenas US$ 52 milhões em etanol para o Brasil."

Apesar das promessas de Trump e de suas ameaças, não houve ainda uma aplicação imediata das taxas. Mesmo assim, a referência explícita ao Brasil foi considerada como uma preocupação dentro do governo.

No governo de Jair Bolsonaro, o Brasil eliminou as tarifas para o etanol americano. Mas, nos primeiros meses do governo Lula, o produto voltou a ser taxado em 18%.

Para atender a regiões dos EUA que votaram amplamente pelo republicano, a Casa Branca abraça a reivindicação dos exportadores de estados como Iowa, Nebraska, Missouri, Indiana e Kansas.

O governo Lula também considera que Trump pode usar as tarifas como instrumentos de barganha em outras áreas, ou mesmo como punição. Uma delas seria o tratamento das plataformas digitais no Brasil, alvos constantes de questionamentos por parte do STF.

O Brasil também considera que pode ser "punido" por algum tipo de relacionamento mais próximo com a China, país que define hoje a política externa de Trump.

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Sessão marcada por protestos

Ao lado do presidente republicano Donald Trump, a congressista democrata Melanie Stansbury segura um cartaz que diz: "Isso não é normal". Trump fez hoje seu primeiro discurso do segundo mandato aos congressistas no Capitólio
Ao lado do presidente republicano Donald Trump, a congressista democrata Melanie Stansbury segura um cartaz que diz: "Isso não é normal". Trump fez hoje seu primeiro discurso do segundo mandato aos congressistas no Capitólio Imagem: Win McNamee - 4.mar.25/Reuters

O discurso do presidente Donald Trump ao Congresso foi marcado ainda por protestos por parte dos deputados e senadores democratas. Assim que o republicano entrou, uma das parlamentares, Melanie Stansbury, segurava um cartaz que dizia: "Isso não é normal".

O chefe da Casa Branca usou o palco para reafirmar sua agenda radical, sem qualquer sinalização de uma pacificação do país e chamou a ala progressista de "lunáticos".

A sessão se transformou num espelho da crise profunda que atravessa o país, assim como em mais um capítulo do mal-estar diante das acusações contra o novo governo de promover um desmonte da democracia, das instituições e do estado de direito.

Democrata Al Green, do Texas, teve de sair escoltado da câmara após se recusar a ficar sentado para ouvir o discurso do presidente republicano Donald Trump aos parlamentares no Capitólio
Democrata Al Green, do Texas, teve de sair escoltado da câmara após se recusar a ficar sentado para ouvir o discurso do presidente republicano Donald Trump aos parlamentares no Capitólio Imagem: Win McNamee -4.mar.25 REUTERS
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Instantes depois de Trump iniciar seu discurso, um dos deputados do Texas, Al Green, se recusou a se sentar e denunciava que o presidente "não tem o mandato" de tomar as medidas que está adotando. Ele foi obrigado a se retirar da sala, escoltado por policiais que eram aplaudidos pelos republicanos.

O discurso seria interrompido pela segunda vez, com a saída do deputado Maxwell Frost, que vestia uma camisa com a mensagem "Nenhum rei vive aqui".

Após o discurso, Frost explicou seu ato. "Nossa democracia pode entrar em colapso", alertou. "Trump quer ser um rei. Mas não temos rei neste país", insistiu. "Temos uma pessoa que controla o Congresso hoje", lamentou.

O senador Bernie Sanders foi um dos que deixou a sala, sem esperar o fim do discurso. Pelo menos dez democratas fizeram o mesmo, em um gesto de protesto.

Outros parlamentares optaram por boicotar o evento e sequer entraram no Congresso. Entre eles estavam Gerry Connolly, Don Beyer, Kweisi Mfume e Alexandria Ocasio-Cortez.

Na sala, quem ficou levantou placas contra Elon Musk, alertas contra "mentiras" que Trump estaria falando e denunciando o desmonte do estado.

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Congressista Nydia Velazquez segura uma placa de protesto com os dizeres "Musk rouba"durante discurso de Trump em sessão conjunta no Capitólio
Congressista Nydia Velazquez segura uma placa de protesto com os dizeres "Musk rouba"durante discurso de Trump em sessão conjunta no Capitólio Imagem: Win McNamee - 4.mar.25/Reuters

"Ele está mentindo", dizia um dos cartazes empunhado pelos democratas. Ao longo do discurso, gritos indignados eram ouvidos pelo salão. "Falso", alertavam os deputados de oposição.

Enquanto Trump elogiava o homem mais rico do mundo, placas eram levantadas no local dizendo: "Musk rouba".

Outra forma de protesto foi usar roupas de cor rosa. Teresa Fernandez, deputada democrata do Novo México, explicou que a decisão tinha como motivo "protesto contra políticas de Trump que impactam negativamente mulheres e famílias".

Nas lapelas de muitos dos democratas, bandeiras da Ucrânia foram colocadas, como forma de protestar contra a aproximação de Trump ao presidente russo Vladimir Putin.

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