Governo Lula quer usar barreiras de Trump para desgastar bolsonarismo

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O governo de Luiz Inácio Lula da Silva quer usar a guerra comercial iniciada por Donald Trump contra alguns de seus maiores parceiros e mesmo contra o Brasil como estratégia para desgastar o bolsonarismo.
Ainda que o governo considere uma resposta às tarifas aplicadas sobre os bens nacionais, a aposta é por uma negociação. Depois de dois encontros na semana passada, Brasil e EUA voltarão a se reunir na sexta-feira para avaliar a possibilidade de um entendimento. Só depois Lula decidirá como reagir.
Em paralelo, porém, a ideia é a de passar a mensagem de que a virulência contra os interesses nacionais, contra setores inteiros da economia brasileira e contra os exportadores, vem justamente de um personagem considerado uma referência ao bolsonarismo: Donald Trump.
O governo, portanto, quer explorar a imagem de que a oposição coloca como aliado um governo estrangeiro que mina o trabalhador nacional e mesmo os lucros de empresários.
No setor madeireiro, por exemplo, as tarifas americanas ameaçam principalmente regiões com forte apoio ao bolsonarismo, como Santa Catarina, Paraná e Rio Grande do Sul. Os três estados são responsáveis por grande parte das exportações que serão eventualmente sobretaxadas por Trump.
A Casa Branca ainda ameaça com a imposição de novas tarifas sobre o etanol nacional, mais uma vez atingindo um segmento com fortes relações com o bolsonarismo.
No setor do aço, taxado por Trump, a reação de políticos que apostaram no republicano foi a de minimizar o impacto das barreiras ao Brasil. Em fevereiro, o governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo), sugeriu que o país não seria afetado, contradizendo dados da Câmara de Comércio Brasil-EUA.
"É muito natural (o anúncio da taxa)", disse. "É o que o Brasil já deveria ter feito com relação ao aço chinês, que está inundando o mercado brasileiro e prejudicando as nossas siderúrgicas", afirmou Zema, repetindo o argumento da Casa Branca de colocar a responsabilidade pela crise no fornecimento da China no setor.
Enquanto isso, o Palácio do Planalto quer passar uma imagem de "moderação" e de estar trabalhando para evitar perdas ao país, evidenciando que os prejuízos aos trabalhadores nacionais virão justamente dos aliados de Jair Bolsonaro nos EUA.
Desde a vitória de Trump, em novembro de 2024, uma das preocupações do Palácio do Planalto passou a ser a operação por parte do bolsonarismo para atrair Trump para a eleição presidencial, em 2026.
Em seis semanas, o deputado Eduardo Bolsonaro esteve nos EUA em quatro ocasiões, articulando com deputados e senadores americanos uma ofensiva contra o STF e em apoio ao ex-presidente.
Fatos desmentem Eduardo Bolsonaro
Em fevereiro, o deputado Eduardo Bolsonaro declarou que seu pai teria conseguido evitar a taxação dos EUA sobre o aço, durante o primeiro mandato do republicano, por ter uma "ótima relação" com Trump.
Em 2020, porém, a realidade foi diferente para Bolsonaro. Trump estabeleceu barreiras ao aço brasileiro e o gesto se transformou em mais um episódio que revelava os limites da relação supostamente privilegiada que o Planalto acreditava manter com a Casa Branca. A decisão foi tomada às vésperas da eleição presidencial nos EUA daquele ano, em um setor crítico para o apoio ao republicano.
Naquele momento e para a surpresa de muitos negociadores, o governo Bolsonaro evitou criticar a barreira. A reação foi interpretada, até mesmo dentro do Itamaraty, como um sinal do apoio de Bolsonaro à tentativa, depois fracassada, de reeleição do aliado em Washington.
"Abriram mão do interesse nacional para defender a eleição de Trump", lembra um negociador comercial brasileiro. Em nenhum momento o governo Bolsonaro indicou que poderia questionar a cota na OMC, uma atitude frequente do Brasil para defender seus interesses comerciais.
Em um aceno para os trabalhadores do setor do aço dos EUA, Trump reduziu as cotas para as importações de certos produtos siderúrgicos do Brasil. Para os exportadores nacionais, o temor era de que houvesse um incremento das tarifas de importação, o que acabou sendo evitado. Ainda assim, o pacote significava que o Brasil poderia vender menos.
Para justificar sua decisão em 2020, Trump alegou que uma contração no mercado americano de aço. "As importações da maioria dos países diminuíram este ano de forma proporcional a esta contração, enquanto as importações do Brasil diminuíram apenas ligeiramente", escreveu Trump, em sua decisão.
De acordo com ele, seu secretário de comércio o informou de "mudanças significativas no mercado siderúrgico dos Estados Unidos desde o momento que decidi excluir, a longo prazo, o Brasil da tarifa proclamada na Proclamação 9705, conforme emenda". Ele se referia a uma decisão anterior de não subir tarifas aduaneiras contra os produtos brasileiros.
A medida afetava o coração da exportação de aço do Brasil, já que os produtos semi-acabados representavam mais de 80% do fornecimento brasileiro aos EUA e significavam receita de quase US$ 2 bilhões.
Nos primeiros dois anos do governo, Bolsonaro passou a manter Washington como a prioridade em sua política externa. O governo brasileiro deu acesso ao trigo americano, abandonou o status de país em desenvolvimento, cedeu em questões estratégicas e modificou votos históricos do país na ONU para se alinhar com o voto americano.
A expectativa era de que, com isso, haveria uma retribuição do governo americano em diversas áreas, inclusive no setor comercial. O que jamais ocorreu.
Em 2022, Bolsonaro voltou a tentar derrubar a barreira. Mas, já no poder, o democrata Joe Biden ignorou solenemente o pedido do ex-presidente brasileiro.
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