Jamil Chade

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Opinião

'Tomara que você seja deportado'

Nos últimos meses, visitei abrigos que acolhem imigrantes, ouvi como seus sonhos foram desfeitos, viajei pelo interior dos EUA, estive com ativistas e famílias abaladas pela separação. Mas, agora, fui surpreendido por um incidente revelador.

Nesta semana, uma discussão como qualquer outra no pátio de uma escola primária em Nova York terminou com uma frase incomum para crianças de dez ou onze anos. Após um estranhamento entre vários alunos, uma das meninas se virou a um garoto e lançou:

"Tomara que você seja deportado".

O menino alvo da ofensa era meu filho.

Depois do susto que levou, a resposta que ele deu também lhe gerou uma punição por parte da direção da escola, com toda a razão.

A novidade certamente não é a existência de uma discussão entre crianças. Mas o desembarque de uma nova maneira de agredir, baseada no ódio que é instrumentalizado por uma ala ultraconservadora que chegou ao poder.

Ninguém nasce odiando. Não brota de forma espontânea da cabeça de nenhuma criança a ideia de desejar que a outra seja "deportada".

A garota que usou esse instrumento é tão vítima quanto meu filho. Vítima de uma liderança que decidiu transformar o outro em inimigo e sinalizou para milhões de americanos que existe uma fronteira dentro de cada classe, de cada escola e de cada bairro.

Uma liderança que passou, com seus discursos, a autorizar o ódio como uma arma legal e, ao mesmo tempo, impedir que programas de diversidade possam existir. Um movimento que, para chegar ao poder, foi explorar o sentimento mais íntimo de uma sociedade abalada pela incerteza.

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Neste país construído sobre um mito tão mentiroso quanto conveniente - o de que todos têm a chance de prosperar - o movimento político de extrema direita não abala apenas a estrutura de poder. A cada dia, cava-se com a energia que apenas a xenofobia consegue gerar um abismo entre a civilização e a barbárie.

Ao chegar em casa, depois do incidente, liguei a televisão e, num canal que serve de braço armado do trumpismo, a apresentadora insistia sobre a necessidade de que a deportação não acontecesse apenas com os imigrantes que estariam de forma irregular no país.

"É hora de debater quem merece estar aqui", disse.

Todos nós sabemos como essa história acaba.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

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