Crítica da Anistia, ONU avaliará respostas do Brasil aos crimes da ditadura

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Uma missão internacional vai avaliar a resposta dada pelo estado brasileiro aos crimes cometidos pela ditadura militar (1964-1985), assim como sobre os obstáculos criados pela Lei de Anistia. A partir do dia 30 de março, o país vai receber o relator especial da ONU para a promoção de Verdade, Justiça e Reparação, Bernard Duhaime.
A missão, que ocorre até o dia 7 de abril, passará por Brasília, São Paulo e Rio de Janeiro, e o relator estará com membros do governo, organizações da sociedade civil, vítimas da ditadura e acadêmicos.
"Durante sua visita, o especialista avaliará as medidas nas áreas de verdade, justiça, reparação, memória e garantias de não recorrência adotadas pelas autoridades no Brasil para lidar com as graves violações de direitos humanos cometidas durante a ditadura (1964-1985)", afirmou a ONU, num comunicado.
O relator irá preparar recomendações que serão apresentadas ao Conselho de Direitos Humanos da ONU.
Em 2024, um mecanismo da ONU cobrou do Brasil garantias de que a Lei de Anistia não seja usada para impedir que crimes sejam investigados e seus autores responsabilizados diante da Justiça.
O alerta fez parte de um documento enviado ainda em fevereiro de 2024 pelo Grupo de Trabalho sobre Desaparecimentos Forçados e Involuntários da Organização das Nações Unidas (ONU).
Para fontes dentro do próprio governo, o posicionamento internacional revela um crescente consenso sobre a incompatibilidade da Lei de Anistia, diante das informações sobre crimes e de um esforço para dar justiça às vítimas.
No final de 2024, o tema da responsabilização pelos crimes da ditadura foi reaberto depois da decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal, Flávio Dino, que estabeleceu que a Lei de Anistia de 1979 não pode proteger os responsáveis pelos desaparecimentos forçados da ditadura militar.
Seu argumento é de que a ocultação de cadáver se trata de um crime permanente, cujos efeitos não cessam até a localização do corpo. Portanto, a lei de Anistia não poderia proteger os autores desses crimes.
No despacho, o ministro ainda cita o filme "Ainda Estou Aqui" - derivado do livro de Marcelo Rubens Paiva e estrelado por Fernanda Torres (Eunice). Segundo ele, a obra tem "comovido milhões de brasileiros e estrangeiros". "A história do desaparecimento de Rubens Paiva, cujo corpo jamais foi encontrado e sepultado, sublinha a dor imprescritível de milhares de pais, mães, irmãos, filhos, sobrinhos, netos, que nunca tiveram atendidos os seus direitos quanto aos familiares desaparecidos. Nunca puderam velá-los e sepultá-los, apesar de buscas obstinadas como a de Zuzu Angel à procura do seu filho", disse.
A decisão de Dino abre uma brecha sem precedentes no caso da responsabilização para os crimes cometidos na ditadura militar.
No documento da ONU, porém, fica explícito o posicionamento do mecanismo internacional contrário à Lei de Anistia.
O mecanismo solicita do governo brasileiros "informações sobre os esforços feitos para assegurar os direitos à memória, à verdade, à justiça, à reparação e às garantias de não recorrência para os desaparecimentos forçados iniciados durante a ditadura".
No documento, o órgão da ONU destaca que, "durante a ditadura, execuções sumárias seguidas de ocultação dos cadáveres se tornaram uma prática sistemática do Estado para combater a oposição politicamente organizada".
A preocupação da entidade, porém, é que esses crimes permaneçam impunes.
"Um exemplo emblemático dessa prática foi o caso do policial Cláudio Guerra, que foi condenado em junho de 2023 pela ocultação de 12 corpos de opositores políticos desaparecidos à força durante a ditadura militar", disse. "No veredicto, o judiciário brasileiro - 2ª Vara Federal de Campos de Goytacazes, Seção Judiciária do Rio de Janeiro - reconheceu a natureza imprescritível dos crimes contra a humanidade e a inaplicabilidade da Lei de Anistia 6683/1979", explicou.
"No entanto, essa decisão é bastante excepcional, pois, de acordo com as informações recebidas, a maioria esmagadora do judiciário continua a aplicar a Lei de Anistia de 1979 e, portanto, a impunidade continua a prevalecer por graves violações de direitos humanos, incluindo desaparecimentos forçados, cometidos durante a ditadura militar", lamentou o grupo.
"Além disso, alega-se que os processos judiciais que buscam o reconhecimento da inconstitucionalidade da Lei de Anistia de 1979 (Ações de Descumprimento de Preceito Fundamental, números 153 e 320) ainda estão pendentes no Supremo Tribunal Federal para discussão e resolução", insiste.
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