Escola Vladimir Herzog pede de novo modelo cívico-militar; família protesta
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A família de Vladimir Herzog enviou uma carta ao governador Tarcísio de Freitas pedindo que a escola estadual que leva o nome do jornalista morto pela ditadura militar não seja transformada em um colégio cívico-militar.
Em 2024, a escola que fica em São Bernardo do Campo (SP) já havia indicado sua intenção de entrar para o programa. Mas a revelação na imprensa e a pressão de ativistas de direitos humanos levaram a direção do local a anunciar que estavam desistindo da ideia.
Agora, porém, o estabelecimento de ensino volta a aparecer entre as unidades que se mantiveram na consulta para fazer parte do programa, o que levou a família Herzog a protestar formalmente ao governador.
A unidade está listada no edital de consulta pública publicado no Diário Oficial do Estado em 27 de fevereiro de 2025, sobre as escolas cívico-militares.
"Lugar de militar é no quartel", diz o texto. "Nós, Clarice Herzog, Ivo Herzog e André Herzog, esposa e filhos de Vladimir Herzog, expressamos nossa profunda preocupação diante da possibilidade de que a Escola Estadual Jornalista Vladimir Herzog venha a aderir ao programa de escolas cívico-militares promovido pelo Governo do Estado de São Paulo, conforme edital publicado pela Secretaria da Educação", afirma a família.
Segundo eles, a "vinculação do nome de Vladimir Herzog a um projeto que incorpora práticas militares à gestão escolar configura grave desrespeito à sua memória".
"Herzog foi assassinado por agentes do Estado durante o regime militar, e sua trajetória é símbolo da luta por democracia, liberdade de expressão e respeito aos direitos humanos", afirmam.
"Associar seu nome a uma política educacional que nega os princípios democráticos pelos quais deu a vida é uma afronta inaceitável — à sua memória e à história recente do Brasil", insistem.
Segundo a carta, o Instituto Vladimir Herzog já comunicou formalmente à direção da escola sua posição contrária à possível adesão ao modelo cívico-militar, reiterando o compromisso institucional com a defesa da democracia, da memória e da educação pública de qualidade.
"A democracia que hoje permite a Vossa Excelência exercer legitimamente o cargo de governador foi, em parte, reconquistada graças à luta de pessoas como Vladimir Herzog. O respeito à democracia é inegociável. O respeito à sua memória também", completam Clarice Herzog, Ivo Herzog e André Herzog.
Carta para diretora da escola
Além da carta para o governador, uma segunda comunicação foi enviada, desta vez para Ana Lucia de Freitas Ferreira, a diretora da Escola Estadual Jornalista Vladimir Herzog. Nela, o Instituto Vladimir Herzog manifestou "sua profunda preocupação com a possibilidade de adesão da Escola Estadual Jornalista Vladimir Herzog ao modelo cívico-militar, conforme previsto na consulta pública anunciada pela Secretaria da Educação do Estado de São Paulo (Seduc-SP), com prazo até 31 de março de 2025".
"Trata-se de medida que, para além de representar um grave descompasso com os valores democráticos, educativos e constitucionais que devem nortear a educação pública, configura uma contradição simbólica e política inaceitável com a trajetória de Vladimir Herzog -- jornalista assassinado pelo regime militar brasileiro, cujo nome honra a instituição sob sua direção", disse a carta assinada por Rogério Sottili, diretor executivo Instituto Vladimir Herzog.
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De acordo com o Instituto, o modelo de escolas cívico-militares atualmente proposto por lei estadual "padece de inconstitucionalidades formais e materiais já levadas à apreciação do Supremo Tribunal Federal".
Tais ações questionam, entre outros pontos:
- a usurpação da competência da União para legislar sobre diretrizes e bases da educação nacional (CF, art. 22, XXIV);
- a violação ao princípio da gestão democrática do ensino (CF, art. 206, VI);
- a valorização dos profissionais da educação (CF, art. 206, V);
- e a ameaça aos direitos fundamentais de crianças e adolescentes (CF, art. 227).
"Além disso, o modelo desloca funções educacionais para agentes de segurança pública, o que representa um desvio das finalidades pedagógicas da escola e compromete a liberdade de ensinar, a pluralidade de ideias e a inclusão", afirma.
"As experiências de militarização escolar já em curso carecem de evidências sobre sua efetividade e tendem a reforçar estigmas sociais e práticas autoritárias, sobretudo nas periferias, onde mais frequentemente são implementadas", indica.
?A carta ainda lembra do incidente registrado no ano passado.
"Causou-nos apreensão o fato de que, apesar do posicionamento público da família Herzog e da própria comunidade escolar em 2024, que resultou no anúncio da não adesão da escola ao referido modelo, a unidade permaneça listada no edital de consulta pública publicado no Diário Oficial do Estado em 27 de fevereiro de 2025", disse.
"Reafirmamos que a trajetória de Vladimir Herzog e o compromisso da escola com sua memória exigem coerência institucional e pedagógica. A adesão ao modelo cívico-militar não apenas desrespeita esse legado, como compromete a construção de um ambiente escolar baseado na escuta, na cidadania e na dignidade humana", alertou.
Na carta, a entidade alerta que, se a escola mantiver seu plano, "o Instituto Vladimir Herzog avaliará as medidas cabíveis para a proteção da memória de Vladimir Herzog e para a defesa do direito à educação democrática e de qualidade".
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