Jamil Chade

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Reportagem

Bolsonaro apoia Trump em tarifaço e fala em 'vírus socialista' de Lula

O ex-presidente Jair Bolsonaro saiu em defesa de Donald Trump, às vésperas do anúncio de tarifas contra os principais parceiros dos Estados Unidos. As taxas poderão afetar alguns dos setores mais estratégicos das exportações brasileiras.

Mas, nas redes sociais, o ex-presidente preferiu atacar "a mentalidade socialista" do governo Lula e sugeriu que o Brasil não confronte os americanos.

"A guerra comercial com os Estados Unidos não é uma estratégia inteligente que proteja os interesses do povo brasileiro", escreveu Bolsonaro, em inglês e em português. "A única resposta razoável às tarifas recíprocas dos EUA é que o governo Lula abandone a mentalidade socialista que impõe altas tarifas aos produtos americanos, impedindo que os brasileiros tenham acesso a produtos de qualidade a preços mais baixos", defendeu.

Segundo ele, Trump "está simplesmente protegendo seu país contra esse vírus socialista".

"Dobrar e agravar a crise com nosso segundo maior parceiro comercial não é uma resposta sensata", afirmou.

Bolsonaro indicou que, durante seu governo, ele negociou "com sucesso as tarifas sobre o aço que estavam sendo impostas em todo o mundo na época, mas que não foram aplicadas ao aço brasileiro graças ao diálogo com o presidente Donald Trump".

"Apostei na diplomacia, não no conflito", disse.

Fatos desmentem Bolsonaro

Bolsonaro, porém, não contou a história completa.

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Em fevereiro, o ainda deputado em exercício Eduardo Bolsonaro (PL-SP) também declarou que seu pai teria conseguido evitar a taxação dos EUA sobre o aço, durante o primeiro mandato do republicano, por ter uma "ótima relação" com Trump.

Em 2020, porém, a realidade foi diferente para Bolsonaro. Trump estabeleceu barreiras ao aço brasileiro, e o gesto se transformou em mais um episódio que revelava os limites da relação supostamente privilegiada que o Planalto acreditava manter com a Casa Branca. A decisão foi tomada às vésperas da eleição presidencial nos EUA daquele ano, em um setor crítico para o apoio ao republicano.

Naquele momento e para a surpresa de muitos negociadores, o governo Bolsonaro evitou criticar a barreira. A reação foi interpretada, até mesmo dentro do Itamaraty, como um sinal do apoio de Bolsonaro à tentativa, depois fracassada, de reeleição do aliado em Washington.

"Abriram mão do interesse nacional para defender a eleição de Trump", lembra um negociador comercial brasileiro. Em nenhum momento, o governo Bolsonaro indicou que poderia questionar a cota na OMC, uma atitude frequente do Brasil para defender seus interesses comerciais.

Em um aceno para os trabalhadores do setor do aço dos EUA, Trump reduziu as cotas para as importações de certos produtos siderúrgicos do Brasil. Para os exportadores nacionais, o temor era de que houvesse um incremento das tarifas de importação, o que acabou sendo evitado. Ainda assim, o pacote significava que o Brasil poderia vender menos.

Para justificar sua decisão em 2020, Trump alegou uma contração no mercado americano de aço. "As importações da maioria dos países diminuíram este ano de forma proporcional a esta contração, enquanto as importações do Brasil diminuíram apenas ligeiramente", escreveu Trump, em sua decisão.

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De acordo com ele, seu secretário de comércio o informou de "mudanças significativas no mercado siderúrgico dos Estados Unidos desde o momento que decidi excluir, a longo prazo, o Brasil da tarifa proclamada na Proclamação 9705, conforme emenda". Ele se referia a uma decisão anterior de não subir tarifas aduaneiras contra os produtos brasileiros.

A medida afetava o coração da exportação de aço do Brasil, já que os produtos semiacabados representavam mais de 80% do fornecimento brasileiro aos EUA e significavam receita de quase US$ 2 bilhões.

Nos primeiros dois anos do governo, Bolsonaro passou a manter Washington como a prioridade em sua política externa. O governo brasileiro deu acesso ao trigo americano, abandonou o status de país em desenvolvimento, cedeu em questões estratégicas e modificou votos históricos do país na ONU para se alinhar com o voto americano.

A expectativa era de que, com isso, haveria uma retribuição do governo americano em diversas áreas, inclusive no setor comercial. O que jamais ocorreu.

Em 2022, Bolsonaro voltou a tentar derrubar a barreira. Mas, já no poder, o democrata Joe Biden ignorou solenemente o pedido do ex-presidente brasileiro.

Eduardo Bolsonaro diz que votaria contra PL que permite Brasil retaliar

O mesmo tom de críticas ao governo e apoio a Trump foi usada por Eduardo Bolsonaro, deputado licenciado e que hoje vive nos EUA. Ele afirmou nas redes sociais que, se ainda fosse parlamentar, votaria contra o projeto de lei que permitirá que o Brasil retalie os Estados Unidos por conta das tarifas que irá sofrer.

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O projeto, que já passou no Senado com o apoio bolsonarista, agora vai para a Câmara dos Deputados.

Eduardo Bolsonaro, porém, decidiu usar a ocasião para criticar o governo, elogiar Donald Trump e ainda dizer que seria contra a proposta.

"Temos que analisar a causa disso tudo: socialistas, como Lula, acreditam em governos gigantescos", justificou, sem considerar que europeus, canadenses e dezenas de outros parceiros vivem a mesma situação. "E só há uma fonte para alimentá-los: são através dos impostos que todos nós pagamos. Sejamos sinceros, se você pudesse não pagar o imposto, por exemplo, na sua blusinha da Schein, você não pagaria?", questionou.

"Então, por qual motivo Trump iria aceitar que um produto americano pague em média cerca de 60% de imposto entrando no Brasil, mas o produto brasileiro - entrando nos EUA - pague cerca de 5% desse mesmo imposto? Não soa razoável e equilibrado essa relação econômica", defendeu o ex-parlamentar.

Para ele, os EUA vão "apenas elevar suas tarifas para os mesmos patamares das tarifas que eles já pagam hoje para entrar no Brasil".

"Não é retaliação, isso se chama reciprocidade. Para o Brasil tratar isso como uma guerra comercial e revidar contra a maior economia do mundo (nosso 2º maior parceiro comercial), aumentando ainda mais os tributos, seria preciso criar uma carga tributária ainda maior do que atual, o que faria, na sequência, os EUA adotarem o mesmo por reciprocidade", disse.

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Segundo o ex-deputado que promove uma narrativa contra as instituições brasileiras nos EUA, uma reação do Brasil "seria uma guerra sem fim, com potencial de colapsar a economia brasileira, bastante dependente do seu 2º maior parceiro comercial (EUA)". "O único prejudicado com esta política conflituosa seria o povo brasileiro, que pagaria mais e mais em nome de uma luta de Lula, que busca super taxar produtos americanos", disse.

"Essa guerra não é nossa, não vamos defender a mentalidade tributária socialista, sob a falsa bandeira da proteção da indústria nacional, para manter essa imensa e pesada carga tributária, que esmaga o poder de compra do brasileiro e nos leva a ter uma péssima qualidade de vida. Ou você está satisfeito em pagar o maior imposto do mundo e quase não ter a contra-prestação dos serviços públicos?", disse.

Eduardo Bolsonaro, no lugar de defender a economia nacional, usou o caso para atacar. "Nosso país está no limite da carga tributária. O povo já não aguenta mais a parasitação estatal via tributo. O hospedeiro está preste a morrer. Injetar mais pressão tributária, sob a falsa bandeira da proteção da economia nacional, só irá agravar o estado moribundo da mossa economia", disse.

"Por esses motivos, eu votaria contra o projeto de lei que chegou hoje na Câmara dos Deputados, que manda a mensagem de início de uma guerra comercial contra os EUA", completou.

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Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

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