Jamil Chade

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Reportagem

Putin sem taxa de Trump gera debate sobre comércio como moeda geopolítica

A decisão do presidente Donald Trump de deixar a Rússia de fora da lista de países que sofrerão tarifas extras abre um debate sobre a relação entre as nações, os dois líderes e a instrumentalização do comércio para fins geopolíticos por parte da Casa Branca.

Na quarta-feira, ao determinar uma nova política comercial, Trump acusou aliados e inimigos de práticas injustas com os bens americanos. "Nosso país foi saqueado, pilhado, estuprado e depredado por outras nações", disse o americano.

Mas dos 180 países atingidos, incluindo antigos e novos aliados dos EUA, a ausência da Rússia causou constrangimento. Segundo a Casa Branca, o país liderado por Vladimir Putin não faz parte "porque as sanções decorrentes da guerra da Ucrânia já zeraram o comércio entre os dois países".

O argumento, porém, não se sustenta. O Irã e a Síria, que também enfrentam embargos americanos e são considerados como inimigos, foram atingidos com tarifas de 10% e 40%, respectivamente. A Ucrânia enfrentará uma tarifa de 10%, apesar de ser o país agredido pela Rússia.

Outra justificativa da Casa Branca é de que as sanções interromperam, em grande parte, o comércio. Mais uma vez, o argumento foi desbancado. De fato, os EUA não importam petróleo bruto russo desde abril de 2022. Mas, em 2024, o mercado americano absorveu US$ 3,5 bilhões em produtos russos, especialmente fertilizantes. O valor é superior ao que os EUA compram de mais de uma dezena de países pelo mundo.

O UOL apurou que diplomatas consideram que dois elementos podem ter pesado na decisão. Um deles seria manter um espaço suficiente no campo tarifário para que, se a negociação de paz com a Rússia não funcionar, a Casa Branca teria condições de retaliar e ameaçar com novas tarifas.

Outro aspecto é doméstico. Os agricultores americanos estão furiosos com a guerra comercial e o eventual impacto que podem sofrer em mercados estratégicos. Taxar a Rússia seria encarecer os fertilizantes para esses mesmos produtos agrícolas.

Democratas e até republicanos desconfiam de Trump

A ausência da Rússia na lista ampliou a desconfiança dos democratas em relação às intenções de Trump com Putin. Desde o início da guerra, os EUA impuseram a mais ampla gama de sanções contra a Rússia, incluindo energia, finanças, defesa e tecnologia. Os principais bancos russos foram cortados do sistema financeiro global, os ativos dos oligarcas russos foram congelados e os controles de exportação restringiram o acesso a tecnologias essenciais.

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As sanções também se concentraram em indivíduos próximos ao presidente Vladimir Putin, visando pressionar o Kremlin, e isolando sua elite política e econômica.

Mas o pacote ainda pode ser maior. Republicanos e democratas no Congresso patrocinam um projeto de lei que colocaria novas sanções contra a Rússia se Moscou não se envolver em negociações de paz.

A ofensiva legislativa não acontece por acaso. O temor de ambos os partidos é que Trump possa dar concessões a Moscou em uma eventual negociação de paz.

O projeto de lei, portanto, inclui a imposição de tarifas de 500% sobre produtos importados de países que compram petróleo, gás, urânio e outros produtos russos.

As mensagens emitidas por Trump não são claras. Se ele deixou Putin de fora, o presidente afirmou no domingo passado que colocaria "tarifas secundárias" aos países que compram petróleo da Rússia se Moscou não concordar com um cessar-fogo na Ucrânia.

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