Jamil Chade

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Reportagem

Na ONU, Anielle Franco diz que reparação pela escravidão é 'inegociável'

A ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, defendeu na ONU, nesta segunda-feira, a ideia de uma reparação diante dos crimes contra a humanidade cometidos durante a escravidão e o colonialismo. Seu discurso ocorreu na abertura do Fórum Permanente sobre Afrodescendentes das Nações Unidas, em Nova York.

"Estamos reunidos em um momento simbólico e estratégico para o futuro da nossa luta global por justiça, equidade e dignidade. Um momento para fortalecer a cooperação e o multilateralismo como valores fundamentais ao desenvolvimento coletivo", disse.

A reunião marca o início da Segunda Década Internacional dos Afrodescendentes, aprovada por esta Assembleia Geral para intensificar o combate ao racismo, à discriminação e às desigualdades sistêmicas. Para Anielle, isso confirma "que esta não é uma pauta lateral, mas sim central ao projeto de um mundo mais justo".

"A reparação é tema desta edição do Fórum e agenda inegociável. Não é um favor. É um passo civilizatório", disse. "O tráfico transatlântico de africanos escravizados foi um crime contra a humanidade e precisa ser encarado com coragem", insistiu.

"Estamos investindo em políticas de memória, verdade e reparação. Em iniciativas de preservação de sítios históricos da escravidão e da resistência negra, em museus da diáspora africana e na valorização dos saberes ancestrais nos currículos escolares, na cultura e na ciência", afirmou.

"Nos últimos anos, nosso país tem dado passos firmes para transformar a reparação histórica em políticas públicas estruturantes", disse. "Avançamos em ritmo recorde e com investimento histórico na titulação de territórios quilombolas, assegurando, a partir da terra, a preservação ambiental, da cultura e da ancestralidade desses povos", falou.

Segundo ela, em dois anos, o governo atingiu "o maior patamar de presença de profissionais negros na administração pública federal".

"Reafirmamos a política de cotas e ações afirmativas no setor público e privado, ampliando o acesso da população negra às universidades, aos concursos públicos e à economia digital", disse.

António Guterres, secretário-geral da ONU, também destacou a ideia da reparação em seu discurso.

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"Um objetivo fundamental é a necessidade de estruturas de justiça reparatória baseadas na legislação internacional de direitos humanos", defendeu. Segundo ele, isso deve ser desenvolvido com a participação inclusiva e significativa das comunidades afetadas. Tal resposta deve "reconhecer os terríveis danos e injustiças causados e suas contínuas manifestações e ramificações". "E que repare os erros do passado", alertou.

A União Africana anunciou 2025 como o "Ano da Justiça para Africanos e Povos de Ascendência Africana por meio de Reparações". O bloco irá adotar iniciativas para "abordar as injustiças históricas, incluindo o comércio transatlântico de escravos, o colonialismo, o apartheid e o genocídio". "Ela se baseia em décadas de defesa e colaboração, com o objetivo de promover a unidade e estabelecer mecanismos para a justiça reparatória em escala global", afirmou.

A ideia de reparação, porém, é contestada por diversos governos europeus, que preferem ações pontuais.

O governo holandês, por exemplo, descartou a possibilidade de reparações e, em vez disso, criou um fundo de 200 milhões de euros para beneficiar descendentes de pessoas escravizadas e outros grupos, além de promover iniciativas sociais na Holanda, no Caribe holandês e no Suriname.

Já a França, que reconheceu oficialmente a escravidão transatlântica como um crime contra a humanidade, prefere usar o termo "reconciliação. Em 2023, a mais alta Corte da França no ano passado rejeitou um pedido de reparação a ser pago aos descendentes dos escravizados em um caso originado na ilha caribenha de Martinica.

Anielle ainda usou sua fala para defender que a luta antirracista precisa ser compreendida no contexto das grandes agendas globais. São elas:

Justiça climática - "No Brasil, são comunidades negras, quilombolas e periféricas que mais sofrem com os efeitos da degradação ambiental. Na COP 30, que será realizada em Belém do Pará em 2025, apresentaremos ao mundo experiências de resistência, de transição ecológica justa e de protagonismo negro, quilombola e indígena na preservação dos biomas e das águas", disse.

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"Ao assumirmos o compromisso de execução do ODS (Objetivo de Desenvolvimento Sustentável) 18 —da Igualdade Étnico-Racial— colocamos o combate ao racismo como pilar do desenvolvimento. É um avanço histórico e o reconhecimento de que a desigualdade racial corrói as bases da democracia, da economia e da dignidade humana", afirmou.

Aliança Global contra a Fome e a Pobreza - Anielle destacou como o governo lançou a aliança com a adesão de 81 países, 26 organizações internacionais, nove instituições financeiras e 31 fundações e ONGs.

Esporte Sem Racismo - A ministra ainda convocou as lideranças globais a impulsionar a resolução de 2023 do Conselho de Direitos Humanos por um mundo do esporte livre do racismo.

"Nesta missão coletiva, devemos criar e aperfeiçoar mecanismos legais, formativos e de amplo debate para tornar ambientes esportivos espaços de respeito e transformação social", disse.

"Lançamos um chamado à comunidade internacional: que possamos agir de forma coordenada, valendo-nos de espaços de cooperação privilegiados —como os organismos multilaterais e regionais— para garantir que o esporte, em todas as suas expressões, seja campo de liberdade e dignidade para todos os corpos", defendeu.

"O esporte nos iguala enquanto humanos. Devemos lutar incansavelmente para que seja espaço de acolhimento, desenvolvimento, democracia e superação", disse.

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"Nosso governo considera esta uma luta inadiável e tem articulado interlocutores nacionais e internacionais, instituindo políticas e acordos para intensificar o combate ao racismo nos esportes, por meio de processos formativos, plataforma de dados e diálogos com federações e mídias", completou.

Reportagem

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