Jamil Chade

Jamil Chade

Siga nas redes
Só para assinantesAssine UOL
Reportagem

Taxas dos EUA chegam a 245% e fragmentação com China geraria colapso global

Num documento emitido pela Casa Branca, o governo de Donald Trump admite que algumas das tarifas impostas pelos EUA contra a China chegam a 245%. Essa porcentagem, que inclui 125% nas tarifas recíprocas, 20% por conta da crise relacionada com o fentanyl e impostos de 100%, vale para carros elétricos, seringas e agulhas. Depois desses produtos, os mais taxados são as baterias de lítio (173%), a carne de lula (170%) e as blusas de lã (169%).

O documento circulou na manhã de hoje, ao mesmo tempo em que a OMC (Organização Mundial do Comércio) divulgava seu primeiro levantamento global do impacto da guerra comercial iniciada por Trump, anunciando que, sob as atuais condições, o fluxo de bens pelo mundo deve registrar uma queda de 0,2% em 2025. Mas, caso não haja um acordo sobre as tarifas recíprocas da Casa Branca que foram suspensas por 90 dias, o tombo no fluxo de bens poderia chegar a 1,5%.

"Existem graves riscos de queda, incluindo a aplicação de tarifas "recíprocas" e uma repercussão mais ampla da incerteza política, o que poderia levar a um declínio ainda mais acentuado de 1,5% no comércio global de mercadorias e prejudicar os países menos desenvolvidos voltados para a exportação", alertou a entidade nesta quarta-feira.

Mas é um impasse entre China e EUA que mais preocupa a OMC. Nas atuais condições de tarifas mútuas de acima de 100% entre as duas economias, a previsão é de que o comércio entre as duas superpotências poderia encolher em 81%. Caso produtos eletrônicos sejam incluídos na conta, como iPhones, a contração seria de 91%.

Na prática, isso significaria uma dissociação entre as duas economias.

Para a diretora-geral da OMC, Ngozi Okonjo-Iweala, a magnitude dessa ruptura terá "consequências profundas para a fragmentação e criando uma economia global separada em dois bloco isolados". "Acima de 125% em tarifas, não faz mais diferença. Veremos a criação de dois blocos", alertou. "Temos de evitar uma fragmentação", apelou.

Na prática, isso teria um impacto profundo para a produção global. O PIB do mundo viveria uma contração de 7% ao longo dos anos, enquanto algumas economias teriam uma retração de suas riquezas de mais de 10%. "Isso tudo terá um impacto para os mercados financeiros. Mas acima de tudo para os países mais pobres", alertou.

Na OMC, diante do risco de um colapso, governos iniciaram consultas para eventualmente convocar uma reunião ministerial extraordinária para lidar com a crise e reafirmar a necessidade de que o mundo mantenha regras globais de comércio.

Na atual situação e se as tarifas americanas permaneçam em 10% para quase todo o mundo, a previsão é de que a queda será profunda na América do Norte, onde as exportações devem retroceder em 12,6% e as importações cairão em 9,6% em 2025.

Continua após a publicidade

O desempenho da região subtrairia 1,7 ponto percentual do crescimento do comércio mundial de mercadorias em 2025, tornando o número geral negativo.

Projeta-se que a Ásia registre um crescimento modesto nas exportações e importações este ano (1,6% para ambas), juntamente com a Europa (1,0% de crescimento nas exportações, 1,9% de crescimento nas importações).

América do Sul está entre as regiões que mais sofrerá

A América do Sul também sofrerá e estará entre as mais abaladas diante de sua proximidade geográfica com EUA e sua dependência comercial com a China. De acordo com a OMC, a região perderá dois pontos percentuais no crescimento de seu PIB em 2025, para um patamar de apenas 2,2% de expansão. O continente ainda terá uma expansão de apenas 0,6% em suas exportações, uma queda de 0,8 pontos percentuais.

Se confirmado, o resultado do comércio mundial será quase três pontos percentuais abaixo do que seria esperado. Espera-se que o comércio de serviços, embora não esteja diretamente sujeito a tarifas, também seja afetado negativamente, com a previsão de que o volume global do comércio de serviços comerciais cresça 4,0%, mais devagar do que o esperado.

Para a diretor-geral da OMC, Ngozi Okonjo-Iweala, o momento é alarmante. Estou profundamente preocupada com a incerteza em torno da política comercial, incluindo o impasse entre os EUA e a China", disse.

Continua após a publicidade

"O recente abrandamento das tensões tarifárias aliviou temporariamente parte da pressão sobre o comércio global. No entanto, a incerteza persistente ameaça agir como um freio ao crescimento global, com graves consequências negativas para o mundo, especialmente para as economias mais vulneráveis", alertou.

Inundação de produtos chineses em outros mercados

Outro impacto apontado pela OMC é que a interrupção do comércio entre os EUA e a China desencadeará um desvio significativo do comércio, aumentando a preocupação de terceiros mercados com o aumento da concorrência da China.

Prevê-se que as exportações de mercadorias chinesas aumentem de 4% a 9% em todas as regiões fora da América do Norte, à medida que o comércio for redirecionado.

Ao mesmo tempo, espera-se que as importações dos EUA da China caiam drasticamente em setores como têxteis, vestuário e equipamentos elétricos, criando novas oportunidades de exportação para outros fornecedores capazes de preencher a lacuna.

Segundo Ngozi, diante dessa crise, os membros da OMC têm a "oportunidade sem precedentes de injetar dinamismo na organização, promover a igualdade de condições, simplificar a tomada de decisões e adaptar nossos acordos para melhor atender às realidades globais de hoje."

Continua após a publicidade

No início do ano, o secretariado da OMC esperava ver uma expansão contínua do comércio mundial em 2025 e 2026, com o comércio de mercadorias crescendo de acordo com o PIB mundial e o comércio de serviços comerciais aumentando em um ritmo mais rápido.

"No entanto, o grande número de novas tarifas introduzidas desde janeiro fez com que os economistas da OMC reavaliassem a situação do comércio, resultando em um rebaixamento substancial de sua previsão para o comércio de mercadorias e uma redução menor em sua perspectiva para o comércio de serviços", disse a OMC.

A queda em 2025 ocorre depois de uma expansão do comércio em 2024, em 2,9%, o melhor ano desde 2017.

Reportagem

Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.