Com Darwin e Nietzsche, Chagas entra para acervo da memória coletiva global
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A Unesco aprovou hoje a inclusão do Arquivo Carlos Chagas nas coleções que servem de patrimônio da humanidade. Conhecido como "Memória do Mundo", o acervo global tem cerca de 570 itens e busca a preservação e o acesso universal ao patrimônio documental da humanidade.
Criado há 30 anos, o acervo conta com peças como os documentos de viagem de Fernão de Magalhães, os discos e papeis dos arquivos da Gramophone, a Bíblia de Gutenberg, a Sinfonia Número 9 de Ludwig van Beethoven, os textos de Simon Bolívar, o Codex Techaloyan de Cuajimalpaz, do México, o Corão Sagrado de Mushaf de Othman, a versão escrita mais antiga existente do texto sagrado, e tantos outros documentos que fazem parte da história da humanidade.
Agora, o Conselho Executivo da Unesco aprovou a inclusão de 74 novos documentos que abrangem tópicos como a revolução científica, a contribuição das mulheres para a história e os principais marcos do multilateralismo. A organização explicou que o registro consiste em coleções documentais, incluindo livros, manuscritos, mapas, fotografias, gravações de som ou vídeo, que testemunham o patrimônio compartilhado da humanidade.
O patrimônio documental é um elemento essencial, porém frágil, da memória do mundo. É por isso que a Unesco investe na salvaguarda - como as bibliotecas de Chinguetti, na Mauritânia, ou os arquivos de Amadou Hampâté Bâ, na Costa do Marfim -, compartilha as melhores práticas e mantém esse registro que registra os mais amplos fios da história humana
Audrey Azoulay, diretora-geral da entidade
Entre as coleções recém-inscritas, 14 pertencem ao patrimônio documental científico. Apresentada pelo Egito, documenta as contribuições do mundo árabe à astronomia, ao movimento planetário, aos corpos celestes e à análise astrológica durante o primeiro milênio.
Também foram incluídos os arquivos de Charles Darwin (Reino Unido), Friedrich Nietzsche (Alemanha), Wilhelm Conrad Roentgen (Alemanha) - que contêm as primeiras fotografias de raios-X registradas.
Segundo a Unesco, o acervo de Carlos Chagas, pioneiro na pesquisa de doenças, "reflete os contextos científico, social e cultural da descoberta da doença que leva seu nome, bem como sua luta pela ciência e pela saúde como aspectos de importância social e como um dever do Estado".
A carreira de Chagas está entrelaçada com os debates internacionais no campo da medicina tropical e com as lutas internas de um país que luta pelo desenvolvimento
Unesco
A instituição do Dia Mundial da Doença de Chagas pela Organização Mundial da Saúde em 2019 demonstra a importância da doença, negligenciada na agenda global de saúde. "Seu arquivo é insubstituível, vinculado a suas atividades públicas e privadas, e serve como uma fonte inigualável para pesquisas sobre a doença de Chagas no Sul Global no final do século 19 e início do século 20", completou.
De acordo com Guilherme Canela, diretor responsável pelo Programa Memória do Mundo da Unesco, a produção de Carlos Chagas se soma a um "grande número de outros acervos que destacam a história da ciência e da saúde, ocupando importância central para o Brasil e para a memória coletiva do mundo".
Canela destaca ainda a inclusão do mapa etno-histórico Curt Nimuendaju como"uma importante coleção sobre as línguas, culturas e memórias dos povos indígenas do Brasil e regiões vizinhas".
Trata-se de uma enciclopédia cartográfica a serviço das línguas, culturas e memórias dos povos indígenas, enviada pelo Brasil. "Essa obra cartográfica consagrada é um marco na história da antropologia. O documento sintetiza o conhecimento produzido sobre os povos indígenas no Brasil e regiões vizinhas, desde o século 16 até meados do século 20", afirma.
"O mapa apresenta informações sobre aproximadamente 1.400 grupos indígenas, pertencentes a 41 famílias linguísticas, com base em cerca de 900 referências bibliográficas. Foram produzidas quatro versões do documento, sendo que a versão indicada para o Registro Internacional do MoW pertence ao Museu Emilio Goeldi", indicou.
Os registros ilustram, segundo Canela, a importância do programa Memória do Mundo, e dão "visibilidade a documentos centrais para o passado, o presente e o futuro do Brasil".
"O mapa desafia as representações canônicas da geografia política moderna ao deslocar o eixo de percepção do Estado-Nação para os assentamentos estabelecidos pelas populações indígenas. O mapa se destaca por destacar a ocupação do espaço, a mobilidade natural de diferentes grupos e os deslocamentos causados pela colonização e pela consolidação do território brasileiro", completou a Unesco.
Direitos Humanos sob ataque
Outros acréscimos incluem coleções relacionadas à memória da escravidão, enviadas por Angola, Aruba, Cabo Verde, Curaçao e Moçambique, bem como arquivos referentes a mulheres históricas proeminentes - ainda pouco representadas no registro - como a pioneira na educação de meninas Raden Ajeng Kartini (Indonésia e Holanda), a autora Katherine Mansfield (Nova Zelândia) e as escritoras de viagens Annemarie Schwarzenbach e Ella Maillart (Suíça).
Num momento de questionamento de documentos que serviram de bússola para o desenvolvimento da humanidade nos últimos dois séculos, a Unesco também aprovou a inclusão na lista de patrimônios as Convenções de Genebra (1864-1949) e seus protocolos (1977-2005), a Declaração Universal dos Direitos Humanos (Nações Unidas) e a Declaração de Windhoek de 1991 (Namíbia), uma referência global para a liberdade de imprensa.
A decisão ocorre num momento em que esses protocolos e acordos globais estão sendo alvo de ataques deliberados por parte da extrema direita mundial e de governos populistas.
Para Canela, essa inclusão é "particularmente simbólica, já que celebramos o 80º aniversário das Nações Unidas neste ano", destacou Canela.
"Esses arquivos, que continuam a moldar normas globais, inspirar estruturas jurídicas e orientar a defesa dos direitos humanos, são elementos emblemáticos da missão do Registro Internacional do Programa Memória do Mundo", completou.
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