Jamil Chade

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Reportagem

Trump congela plano de combate ao racismo acertado com Biden, diz ministra

O governo brasileiro não consegue mais ter informações por parte da Casa Branca se ainda existe a cooperação entre os dois países no combate ao racismo. O "congelamento" foi confirmado pela ministra de Igualdade Racial, Anielle Franco, que está em Nova York nesta semana para reuniões na ONU.

No começo de 2023, o governo de Luiz Inácio Lula da Silva propôs a retomada dos mecanismos entre EUA e Brasil para combater o racismo e a desigualdade, iniciativas assinadas entre os dois países há mais de uma década e que, no governo de Jair Bolsonaro, foram enterradas.

Naquele momento, o então presidente Joe Biden acolheu a proposta e, segundo Anielle, colocou uma forte equipe para acompanhar o diálogo entre os dois países.

Nos últimos dois anos, Anielle confirmou que reuniões foram realizadas e que projetos tinham começado a ser desenhados. Sua esperança era de que bolsas pudessem ser estabelecidas para afrobrasileiros nos EUA, entre outras trocas de experiência.

Também existia a expectativa de que os EUA poderiam servir como referência nas políticas de reparação e valorização da memória e historia afroamericana. Do lado brasileiro, Anielle esperava que o país pudesse compartilhar sua experiência de mobilização e o funcionamento do SUS.

No começo de 2023, na viagem internacional de Lula para os EUA, Anielle Franco afirmou que a prioridade de sua ida ao encontro com Joe Biden era a de retomar o Plano de Ação Conjunto EUA-Brasil para eliminar a discriminação racial e promover a igualdade.

Hoje, porém, a ministra admite que não tem conseguido sequer informação do outro lado se os projetos existem ainda. "Ninguém tem respondido para nós", lamentou. "Está parado", disse.

Anielle conta que, ainda no governo Biden, as representantes designadas pela Casa Branca chegaram a ter uma última reunião virtual para organizar os futuros encontros presenciais entre os dois países.

A ministra constata que o mecanismo contou com recursos tanto do Itamaraty como das autoridades americanas. "A sociedade civil participou de forma intensa", lamentou. "Tinha muita coisa."

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Nas últimas semanas, o governo Trump tem desmontado programas de diversidade e punido qualquer órgão federal que mantenha iniciativas de combate ao racismo ou de promoção de cotas.

"Às vezes penso que estou sonhado quando leio o que está ocorrendo aqui (nos EUA", disse, numa palestra na Universidade de Nova York, nesta quarta-feira. "Estamos voltando cem passos e anos", lamentou. "Mas os movimentos negros estamos prontos para lutar contra retrocessos", garantiu. "E não pode desistir", afirmou.

Inicialmente, a iniciativa entre o Brasil e os EUA foi assinada em março de 2008 e foi o primeiro acordo bilateral que visava o combate ao racismo entre os dois países. "Esta iniciativa aproveita a experiência política interagências em ambos os países, em uma parceria única com a sociedade civil e comitês do setor privado, para tratar de disparidades raciais na saúde, justiça ambiental, acesso à educação, igualdade de acesso às oportunidades econômicas e igualdade de acesso ao sistema de justiça", aponta sua descrição do pacto.

No texto, a iniciativa "reconhece que o Brasil e os Estados Unidos são democracias multiétnicas e multirraciais cujos laços de amizade são fortalecidos por experiências compartilhadas". "Ambos os países celebram as ricas contribuições de pessoas de ascendência africana e populações indígenas para o tecido de nossas sociedades", destacam.

Quando Lula e Biden decidiram retomar a iniciativa, o mecanismo foi incluído na decisão do Planalto e da Casa Branca de promover uma retomada no Plano de Ação entre os dois países.

Naquele momento, para diplomatas americanos, a inclusão de Anielle e do debate na comitiva foi aplaudida e vista como um reconhecimento importante do papel das mulheres e do movimento negro na pauta do governo, inclusive em termos de política externa.

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Durante os anos de Bolsonaro e Trump, Brasília e Washington chegaram a montar uma espécie de aliança informal para minar qualquer debate mais intenso sobre a questão racial nos organismos internacionais.

De fato, depois da morte de George Floyd, a ONU foi convocada para examinar a violência policial contra afroamericanos. Naquele momento, o governo de Bolsonaro saiu em defesa dos EUA e, junto com Trump, tentou minar uma resolução que daria um mandato para a entidade investigar violações de direitos humanos nesse contexto.

A resolução acabou sendo aguada, com a ajuda do Brasil. Mas ainda assim, a ONU foi instruída a fazer relatórios periódicos sobre o tema da violência contra essa população em todo o mundo. Além de George Floyd, a entidade escolheu o caso de Marielle Franco como parte de sua análise.

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