Jamil Chade

Jamil Chade

Siga nas redes
Só para assinantesAssine UOL
Reportagem

Trump leva UE a ceder em pacto com Mercosul e europeus já articulam votação

Autoridades da União Europeia informaram a interlocutores do governo brasileiro que estão articulando a votação do acordo de livre comércio com o Mercosul para setembro, num esforço para fazer avançar a aproximação entre os dois blocos.

A iniciativa ocorre num momento do enfraquecimento da aliança na Europa que, por anos, freou qualquer ideia de um pacto com os sul-americanos.

O fator decisivo, porém, não está nem na Europa e nem no Mercosul. Para Bruxelas, o que mudou a dinâmica comercial é o protecionismo e incertezas causadas por Donald Trump.

Depois de 25 anos de negociações, UE e Mercosul chegaram a um entendimento no final de 2024. Mas, para entrar em vigor, o projeto precisa da aprovação do Conselho Europeu, composto pelos 27 países do bloco. Pelas regras, os países que não querem um acordo precisariam de reunir votos de um grupo que represente 35% da população do bloco e pelo menos quatro países.

O voto no Conselho Europeu não é o último passo. Parlamentos nacionais também precisam ratificar o acordo. Mas, ainda assim, esse seria um gesto estratégico e a Comissão Europeia acredita que o protecionismo de Trump pode convencer alguns dos países mais resistentes a ceder para permitir que novos mercados sejam abertos.

Dentro do governo de Luiz Inácio Lula da Silva, não se descarta a possibilidade de encerrar presidência do Brasil no Mercosul, no segundo semestre, com uma cúpula para anunciar o acordo.

Se nos últimos anos países como França, Irlanda e Polônia lideraram uma articulação para barrar o entendimento com o Mercosul, a percepção de Bruxelas e dos brasileiros é de que essa aliança está enfraquecida. Em Paris, um posicionamento do Banco Central indicou a postura favorável da instituição em relação a um acordo com o Mercosul, como forma de garantir uma expansão das exportações do país.

Oficialmente, o governo de Emmanuel Macron afirmou que "nada mudou" em sua postura. Mas no Mercosul a declaração é vista, acima de tudo, como uma manobra de Paris de não chamar a atenção do seu setor rural, contrário ao pacto.

O sinal de que um movimento poderia ser feito veio de Laurent Saint Martin, secretário de Comércio Exterior. Segundo ele, as tarifas de Trump devem ser consideradas como "um chamado à despertar para acordos comerciais".

Continua após a publicidade

Uma forma da Macron salvar sua reputação interna seria a criação de um mecanismo de salvaguarda, na qual os europeus poderiam acionar caso haja um surto de importação de bens agrícolas do Mercosul. Mas o Brasil quer garantias de que isso não representará uma arbitrariedade e alerta que, depois de negociado, não é o momento de reabrir todo o processo.

Outra aposta é uma pressão ainda maior por parte do governo da Alemanha, em breve liderado por um conservador. Berlim quer garantias de que, diante dos muros adotados por Trump, sua produção industrial possa se escoada para novos mercados, entre eles o Mercosul.

Para observadores, um lobby neste sentido por parte da Alemanha pode ser decisivo, apesar da resistência do setor agrícola do continente.

Nesta semana, o presidente da Apex, Jorge Viana, liderou uma missão de empresários e negociadores para diversas capitais europeias. Um de seus objetivos foi o de ouvir as delegações regionais para entender os obstáculos e os eventuais caminhos para um acordo.

"Estou otimista", disse, ao concluir viagens por Bruxelas, Varsóvia e Lisboa. Para ele, existe uma "oportunidade única" para que o acordo seja finalmente aprovado.

Além do setor industrial, a esperança da Comissão Europeia é a de conseguir que o setor do agronegócio e produções tradicionais de alguns países vejam o Mercosul como um eventual novo destino para suas exportações.

Continua após a publicidade

Uma aposta seria o vinho da Itália e França, que se deram conta nos últimos meses do risco que correm diante das ameaças de Trump. O americano fez questão de alertar que, se a UE retaliasse os produtos dos EUA, sua resposta viria na forma de tarifas extras contra as bebidas europeias.

Imediatamente, os produtores de vinho entenderam o risco de perder acesso a um dos maiores mercados do mundo.

Numa carta à Comissão Europeia, a deputada alemã Christine Schneider, da ala conservadora, questionou qual deveria ser o caminho da política comercial da UE para o setor. Um dos argumentos dela era de que as projeções indicavam que o aumento do consumo virá, nos próximos 20 anos, de "novas regiões".

Segundo ela, os tradicionais mercados serão marcados por uma queda de natalidade e um declínio no consumo por capita de álcool.

Na resposta, o comissário de Agricultura da UE, Christophe Hansen, destacou justamente a necessidade de ampliar os acordos comerciais do bloco. "Diversificar destinos de exportação reduz os riscos de mercado", apontou.

De acordo com ele, a América Latina apresenta um "potencial significativo" para o consumo de vinho até 2050. Sua carta deixa evidenciado que a joia da coroa é o mercado brasileiro. "O acordo com o Mercosul deve facilitar a entrada do vinho europeu nos países da América do Sul, em especial o mercado brasileiros em expansão", disse.

Reportagem

Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

Deixe seu comentário

O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Leia as Regras de Uso do UOL.