Brasil rejeita proposta dos EUA de rotular crime organizado como terrorismo

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O governo brasileiro vai dizer ao governo americano que é contra a proposta da Casa Branca de classificar o crime organizado como grupos terroristas e teme que, se o caminho for adotado, o país correria o risco de ser alvo de sanções por parte do governo de Donald Trump e ainda de ter seus nacionais deportados para prisões como a de El Salvador.
Nesta terça-feira, tanto o Itamaraty como o Ministério da Justiça receberão uma delegação americana. O foco dos encontros é discutir a cooperação para lidar com o crime organizado e segurança. Mas o governo de Donald Trump não esconde que quer avaliar a definição de grupos como "terroristas", o que abriria caminho para incluir o PCC (Primeiro Comando da Capital) nesse grupo.
Um dos primeiros atos de seu governo foi o de designar oito cartéis latino-americanos como "terroristas", entre eles Tren de Aragua, MS-13 e gangues haitianas.
O Brasil, tradicionalmente, apenas aceita a classificação de "terroristas" para entidades assim declaradas pelo Conselho de Segurança da ONU. Não há, neste momento, qualquer debate sobre a inclusão do crime organizado nessa categoria nas Nações Unidas.
Numa primeira reunião ainda na segunda-feira, um dos membros da delegação americana ouviu do senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) uma posição diferente. O filho do ex-presidente indiciado afirmou que defende esse caminho e que quer levar para Washington as avaliações e informes tanto da situação do Rio de Janeiro como de São Paulo.
O senador ainda fez questão de vincular as ações de grupos criminosos no Brasil ao Hezbollah, outro caminho para que eventualmente o país seja alvo de sanções. Flávio Bolsonaro esteve com Ricardo Pita, do Departamento de Estado, e não com o chefe da delegação, David Gamble.
O senador disse que existe um relatório por parte da cúpula da segurança pública do Rio de Janeiro. "Queremos mostrar o que tem nesse relatório e quais são as empresas que lavam seu dinheiro", disse.
Ele pediu que o governo Lula trate com "a maior seriedade" o tema e insistiu que os grupos criminosos brasileiros "chegaram aos EUA". "Declarar como grupos terroristas é o objetivo final", confirmou o senador.
Em março, as autoridades americanas anunciaram a prisão de dezoito brasileiros, suspeitos de ligações com o PCC. Mas foi o tom usado pelo governo americano que mostrou que existe uma pressão real para equiparar o crime organizado no Brasil a outros grupos já designados como "terroristas".
"De acordo com os documentos de acusação, a investigação identificou cidadãos brasileiros em várias comunidades de Massachusetts que supostamente estiveram envolvidos na venda de vários tipos de armas de fogo", diz o Departamento de Justiça. "Alega-se ainda que algumas das armas de fogo estavam ligadas a atividades relacionadas a gangues envolvendo uma grande organização criminosa transnacional, o Primeiro Comando da Capital, bem como gangues de rua locais menores, especificamente as gangues de rua "Tropa de Sete" e "Trem Bala", disse.
"O Primeiro Comando da Capital, originalmente fundado nos sistemas penitenciários de São Paulo, Brasil, é uma das maiores organizações criminosas do Brasil e da América Latina. Alega-se que os membros do Primeiro Comando da Capital e seus associados são conhecidos por cometerem crimes violentos em prol da organização, incluindo assassinatos, assaltos à mão armada, sequestros e a coordenação de uma operação transnacional de tráfico de drogas", destacou.
"Até o momento, aproximadamente 110 armas de fogo, quantidades de tráfico de fentanil e munição foram apreendidas durante a investigação que começou em 2024", alertam os americanos, usando referências que foram também citadas quando outros grupos foram designados como terroristas.
"Esse tipo de ilegalidade alimenta os crimes violentos e fortalece as organizações criminosas transnacionais que lucram com o caos e o medo. Isso coloca vidas americanas em risco", disse a procuradora dos Estados Unidos Leah B. Foley. "Esse caso é uma prova da força de nossas parcerias federais, estaduais e locais de aplicação da lei para manter nossas comunidades seguras e defender o estado de direito", afirmou.
O governo americano explicou que o caso faz parte da operação Take Back America, "uma iniciativa nacional que reúne todos os recursos do Departamento de Justiça para repelir a invasão da imigração ilegal, alcançar a eliminação total de cartéis e organizações criminosas transnacionais".
Fontes em Brasília destacam a incoerência na postura de Trump. Se os grupos criminosos sul-americanos são colocados nessa categoria, não há qualquer debate no momento para incluir a máfia chinesa, russa ou mesmo italiana no grupo de "terroristas".
O uso ainda da classificação é questionado até dentro dos EUA. Para democratas, trata-se de um atalho para justificar uma deportação acelerada e atingir os objetivos de Trump de expulsar 1 milhão de pessoas dos EUA.
Mas uma nova avaliação da inteligência dos EUA não encontrou nenhuma coordenação entre o Tren de Aragua e o governo venezuelano. Os dados da CIA vão no sentido contrário ao que o governo Trump usou para justificar a invocação da Lei de Inimigos Estrangeiros e a deportação de migrantes venezuelanos.
Enquanto a Casa Branca foca nos grupos latino-americanos, instituições como a Universidade de Maryland anunciam que o governo federal cortou seus recursos para mapear o terrorismo doméstico e crimes de ódio nos EUA.
A ofensiva de Trump, porém, vai além. Um dos projetos que tramita é o Stop Terror-Financing (Pare o financiamento ao terrorismo), que permitiria que o Secretário do Tesouro designasse organizações sem fins lucrativos como "organizações terroristas" e revogasse seu status de isenção de impostos.
O projeto de lei foi considerado pelos democratas como um mecanismo que poderia fornecer a Trump um mecanismo para punir seus inimigos políticos. Entidades como a Anistia Internacional, a American Civil Liberties Union (ACLU) e a Pen America soaram o alerta.
"Em qualquer outro contexto, essa legislação seria vista pelo que é, uma jogada do manual do líder autoritário", disse Paul O'Brien, diretor executivo da Anistia Internacional dos EUA, em um comunicado.
A ACLU enviou uma carta ao Congresso chamando a atenção para o "potencial de abuso endêmico" da lei. "O poder executivo teria em mãos uma ferramenta que poderia ser usada para restringir a liberdade de expressão, censurar veículos de mídia sem fins lucrativos, atingir oponentes políticos e punir grupos desfavorecidos em todo o espectro político", disse.
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