João Carlos Martins é ovacionado em sua 'despedida' no Carnegie Hall

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Quando o último acorde soou de um choro brasileiro, o mítico Carnegie Hall sabia que havia sido o palco, uma vez mais, de parte da história da música. Nele, se despedia do público de Nova York o maestro e pianista João Carlos Martins, nesta sexta-feira.
Mais de 50 anos depois de sua estreia num dos teatros mais importantes do mundo, Martins era mais uma vez ovacionado. E não continha a emoção.
O concerto, que contou na plateia com personalidades brasileiras, empresários, governadores, políticos, juízes, banqueiros, artistas e músicos, havia se transformado em um evento. Semanas antes, na fachada no prédio na 7ª Avenida, o cartaz já avisava que os ingressos estavam esgotados.
Como tudo em sua vida, o suspense parece ser sua marca. No começo da semana, Martins desembarcou em Nova York. Mas não suas malas, onde estavam as luvas biônicas que ele usa para tocar. "Sem luvas não há concerto", afirmou. Elas acabaram chegando, para o alívio dos músicos, do maestro e dos patrocinadores.
Martins transformou o programa desta sexta-feira numa retrospectiva de sua vida. Considerado um dos maiores intérpretes de Johann Sebastian Bach, o brasileiro começou com a Suíte Orquestral número 3 do alemão.
No ensaio, dias antes, ele havia surpreendido os músicos ao adotar uma interpretação única do mestre barroco. Pedia energia, entrega e elegância. Exigia ainda que cada nota tivesse sentido, inclusive rompendo os dogmas. Diante das três mil pessoas que lotavam o local, a orquestra correspondeu.
Martins, então, transportou a revolução do compositor que serve de dicionário da música ocidental para o Brasil, com Heitor Villa Lobos. A primeira parte ainda foi encerrada com uma "conversa" entre Villa-Lobos e Bach, em sua Bachianas numero 7. Um gesto simbólico e cuidadosamente escolhido por Martins para insistir na necessidade do diálogo.
Mas foi na segunda parte que Martins transformou a sala num oratório, sendo aplaudido de pé em pelo menos duas ocasiões, antes mesmo do final. Recuperando-se ainda de um câncer, ele havia sido instruído pelos médicos a não tocar, e apenas reger. De fato, o próprio maestro confirmou que existia o risco de que o concerto fosse cancelado.
As orientações médicas, porém, foram rejeitadas. No intervalo, ele colocou suas mãos em baldes de água quente no camarim para relaxar os músculos e garantir que, apesar de sua doença, poderia completar o concerto.
Com humor, ele alertou antes que se aquela era sua despedida, tudo dependeria de como aquele concerto se desenrolaria.
Sentado ao piano, levou ao público uma versão lírica de Tom Jobim, construiu as síncopes de Piazzolla e prestou sua homenagem a John Williams. Martins deixou um "Tico-tico do Fubá" para o final, embalando um teatro inteiro.
Em seu rosto, enquanto percorria a música do século 20, ficavam evidenciadas as cicatrizes de uma vida marcada pela luta contra a limitação que seu corpo havia estabelecido por conta da distonia focal.
Uma vez mais, aos 84 anos, ele se mostrou incansável. No Carnegie Hall, como em sua vida, Martins reinventou o sentido de sobrevivência cada vez que o silêncio parecia se impor. Cada vez que a derrota dava sinais de ser inevitável. Suas mãos empunharam a resistência e a arte.
Indomável, como foi descrito pelo New York Times, ele transformou sua vida num poema sinfônico. E, nesta noite no mítico teatro, a música venceu.
Martins teve de voltar para o bis. O público queria mais. E foi, com um aceno e abraçado por um teatro inteiro, que o brasileiro fez sua despedida.
"Ou não", disse. "Fiquei tão excitado com a reação do público que acho que não será a última vez", completou, arrancando aplausos.
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