Jamil Chade

Jamil Chade

Siga nas redes
Só para assinantesAssine UOL
Reportagem

Tortura e violência: brasileiros nos EUA fazem denúncia e apelam a Lula

A comunidade brasileira nos EUA denuncia violações humanitárias e pede a ação urgente do governo Lula diante da deportação e prisão de dezenas de pessoas. Numa carta enviada às autoridades em Brasília, entidades que representam os imigrantes brasileiros alertam para tortura e para o fato de que crianças estão sendo algemadas.

Nos últimos dias, o governo brasileiro indicou que reforçaria a atenção aos imigrantes brasileiros, na tentativa de lidar com gargalos e na emissão de certidões de nascimento. Neste final de semana, o consulado em Boston fará um mutirão para entregar documentos aos brasileiros.

Desde a ofensiva de Donald Trump contra os estrangeiros, o consulado viu um aumento de sete vezes na procura por serviços emergenciais, em comparação com os números de 2024.

Mas a comunidade insiste que as ações do Itamaraty ainda são insuficientes.

Conforme o UOL revelou em abril, a explosão na procura por documentos nos consulados brasileiros gerou filas de meses para a obtenção dos documentos e mais de mil pessoas na lista de espera. Sem os documentos, famílias podem ser divididas ao serem presas pelas autoridades de Donald Trump.

Agora, o documento de denúncia é assinado por entidades como a Brazilian Worker Center, Grupo Mulher Brasileira, Brazilian American Center, Instituto Diáspora Brasil, Brazilian Resources Center, Source Hub, New England Community Center, Defend Democracy Brazil, Florida Immigrant Coalition, Deputados Brasileiros em Massachusetts e várias outras entidades.

Segundo eles, a comunidade brasileira nos Estados Unidos já ultrapassa 2 milhões de pessoas, das quais cerca de 57% são imigrantes em situação migratória vulnerável - com visto temporário, residência permanente ou fora de status, ou seja, sem cidadania norte-americana.

"Apesar das declarações da nova administração de que estaria focando em deportações de pessoas com antecedentes criminais, o que se observa na prática é uma onda crescente, intensa e violenta de prisões", diz a carta.

"Agentes mascarados têm prendido brasileiros sem mandado judicial, com longos atrasos de 3, 5 ou mais dias até que a pessoa apareça no sistema de custódia do ICE", alertam as entidade.

Continua após a publicidade

"Muitos são enviados para centros de detenção em outros estados, dificultando o apoio jurídico e humanitário oferecido por suas famílias e comunidades", diz a carta.

Segundo eles, crescem também os relatos de intimidação por parte de agentes imigratórios, que estacionam viaturas em frente a igrejas, centros comunitários e comércios brasileiros, criando um clima de medo e retraimento. "Em muitos lares, pessoas têm deixado de sair de casa, temendo novas ações", alerta.

"Nas últimas semanas, aumentaram ainda os casos de violência e da chamada "tortura branca": pessoas algemadas são colocadas em vans por até 12 horas, sem saber para onde estão sendo levadas, com alimentação, água e cuidados básicos racionados. Há também relatos de crianças sendo algemadas", aponta a carta.

"É fundamental lembrar que estar fora do status migratório não é crime segundo a lei federal dos Estados Unidos. Imigrar não é crime. Imigrar é um direito humano. Todos imigrantes têm direito às proteções delineadas na Constituição dos Estados Unidos", insistem.

Segundo as entidades, casos graves têm sido noticiados em cidades como Worcester, Framingham e outras, e as organizações de direitos humanos e advogados parceiros da comunidade já estão com capacidade esgotada para atender a novos casos.

Diante desta crise humanitária, as entidades pedem "atenção imediata" do governo brasileiro para que:

Atue junto ao governo dos EUA pela aplicação da Convenção contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes (1984) e outros tratados humanitários internacionais ratificados por ambos os países;

Continua após a publicidade

Amplie a capacidade consular, especialmente para emissão de documentos essenciais como certidões de nascimento e passaportes, e ofereça assistência emergencial a famílias que desejam retornar ao Brasil;

Realize uma audiência pública com a Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados e as organizações comunitárias brasileiras nos EUA;

Estabeleça um canal permanente de diálogo com a Embaixada do Brasil nos EUA, inspirado na experiência do Consulado-Geral do Brasil em Boston.

Estudante brasileiro denunciou situação

A denúncia das entidades ocorre um dia depois de o brasileiro Marcelo Gomes, de 18 anos de idade, ter relatado o que viveu na prisão americana. Ele foi detido no sábado passado, supostamente por "engano". A polícia migratória dos EUA admitiu que estava em busca de seu pai. Nesta quinta-feira, o UOL participou da audiência num tribunal de Massachusetts que decidiu liberar o garoto.

Ao deixar a prisão, o brasileiro contou o que viveu desde então. "Não quero chorar. Mas aquele não é um bom lugar", disse.

Continua após a publicidade

"Não se via a luz do dia", insistiu. "Não podia sair, não podia caminhar", disse. Segundo ele, as pessoas detidas apenas conseguiam respirar quando colocam o rosto numa fresta de uma porta para conseguir "ar fresco". Para saber a hora, tinham também de buscar um relógio que estava fora do local onde foram colocados.

Marcelo contou que dormia num chão de cimento e que usava apenas um cobertor fino de alumínio. "Não havia televisões", disse.

O local é designado para que pessoas sejam detidas por apenas 72 horas, antes de uma transferência ou de sua libertação. "Fiquei seis dias", contou.

Reportagem

Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

Deixe seu comentário

O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Leia as Regras de Uso do UOL.