Postos do Brasil nos EUA vivem escassez de funcionários e filas se acumulam

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Consulados e embaixadas brasileiras no exterior vivem uma escassez de funcionários, afetando a vida de milhares de pessoas que, diante de ofensivas de governos populistas contra estrangeiros, precisam de documentos, passaporte e assistência. A situação é especialmente crítica nos EUA, onde vagas não conseguem ser preenchidas nos escritórios do Brasil nas diferentes cidades do país. Ao UOL, o Itamaraty sinalizou que pretende solicitar a ampliação das contratações em 2025 e 2026.
Dados coletados a partir de fontes oficiais, documentos e portarias apontam que, atualmente, há um déficit de servidores administrativos em 87 embaixadas - 66% do total - e em 49 consulados - 68% do total.
A escassez se refere aos oficiais de Chancelaria, uma das carreiras no Itamaraty e segmento fundamental para a administração de postos e dos serviços prestados. No campo consular, esses servidores atendem diretamente cidadãos brasileiros, realizando a emissão de passaportes, registros civis, legalização de documentos e apoio a pessoas em situações de vulnerabilidade. Também são responsáveis por colaborar na organização de eventos internacionais e atuam na gestão de equipes e recursos.
Hoje, o Brasil possui a décima maior rede de postos no exterior, com mais de 200 representações entre embaixadas, consulados e missões. Mas se a população brasileira no exterior aumentou de forma exponencial nos últimos anos, o número de servidores administrativos e consulares tem diminuído.
Segundo os dados, existe um déficit de 231 cargos vagos de Oficiais de Chancelaria. Das mil vagas regulamentadas, havia 905 cargos ocupados em 2012. Em maio de 2025, esse número era de apenas 769.
Sem concurso desde 2008, o número de Assistentes de Chancelaria - uma outra categoria da administração no Itamaraty - caiu de 636 para 341 entre 2012 e 2025, uma perda de 46% dos servidores em menos de duas décadas.
O levantamento também mostra que não há nenhum oficial de Chancelaria em exercício em 27% das embaixadas e 24% dos consulados. 49% das embaixadas possuem apenas um ou nenhum Oficial de Chancelaria, enquanto 50% dos consulados possuem até dois.
A existência de grandes eventos políticos e diplomáticos no Brasil em 2024 e em 2025 também exigiu que muitos desses funcionários fossem repatriados ao país e colocados à disposição para a cúpula do G20, Brics e para a COP 30.
Efeito Trump gera filas de meses em consulados do Brasil nos EUA
Se o problema é crônico e afeta as representações do Brasil pelo mundo, a realidade é que a escassez nos EUA está resultando em uma crise para centenas de famílias. Com 2 milhões de brasileiros vivendo em cidades americanas, a ofensiva do governo de Donald Trump contra imigrantes fez explodir o volume de trabalho nos consulados diante de famílias que buscam documentos como certidão de nascimento para os filhos ou passaportes.
Mas os dados apontam que a embaixada do Brasil em Washington e 10 dos 11 consulados do país nos EUA estão com déficit de funcionários.
Nos EUA, há 41 posições vagas e 72 ocupadas de oficiais de chancelaria, o que representa uma taxa de desocupação de 36% nas vagas de assistentes e oficiais de chancelaria.
Não há oficial de chancelaria, por exemplo, no consulado do Brasil em Houston, Texas, que tem em sua jurisdição mais de 100 mil brasileiros, Em Hartford, existe apenas um, apesar dos 70 mil brasileiros na região.
Em Boston, região com 450 mil brasileiros, o número de servidores deveria ser de 13 pessoas. Mas conta com apenas sete. Em Los Angeles, seria de dez. Mas existem apenas quatro.
Já o Consulado-Geral do Brasil em Miami, por exemplo, destacou que, entre abril de 2022 e abril de 2025, registrou um crescimento de 187% no total de atendimentos. Neste período, houve um crescimento de 140% na emissão de certidões de nascimento e de 60% na emissão de passaportes.
Já em audiência na Comissão de Relações Exteriores do Senado, realizada no dia 27 de maio, o Cônsul-Geral do Brasil em Nova York admitiu que, diante da falta de funcionários, o atendimento consular tem sido sobrecarregado. Segundo ele, documentos que antes eram emitidos em até 48 horas estão, agora, demorando até 2 meses.
Contratação congelada
Desde que a atual administração tomou posse, em 2023, o governo tem reconhecido a necessidade de corrigir esse déficit. Em dezembro de 2023, o chanceler Mauro Vieira admitiu que existia um déficit de cerca de 900 funcionários. "É dificílimo de administrar, um Ministério sem diplomatas e sem Oficiais de Chancelaria", disse na época.
Mas um dos maiores obstáculos tem sido a demora em efetivar a contratação de funcionários que, já em 2023, foram aprovados em um concurso público para ingresso de 100 Oficiais de Chancelaria. Naquele momento, 50 foram convocados de forma imediata e 50 foram mantidos numa reserva.
Mas a efetivação dessa segunda turma jamais foi feita pelo Ministério da Gestão e da Inovação, um caso único entre os 80 concursos autorizados entre 2020-2025. Documentos ainda apontam que a autorização está em análise desde setembro de 2024, mas sem resultado.
Para garantir essa contratação, a despesa seria de R$ 4,8 milhões, o que representa 0,28% do orçamento previsto para cargos vagos no governo.
O congelamento ocorre, porém, enquanto o Itamaraty continua a perder servidores. As saídas de Oficiais de Chancelaria entre 2023 e 2025, por exemplo, já são maiores que o ingresso dos 50 funcionários em 2024.
Itamaraty diz que vai ampliar contratações
Ao UOL, o Ministério das Relações Exteriores afirmou que "tenciona prover todos os cargos autorizados pela Portaria MGI nº 2.454, de 16 de junho de 2023, no âmbito do concurso da carreira de oficial de chancelaria".
"Nesse sentido, formalizou, em setembro de 2024, solicitação de provimento de 50 cargos adicionais da referida carreira ao Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos (MGI), para a qual aguarda resposta e já realizou as possíveis gestões", disse.
"Adicionalmente, o Ministério enviou, em maio deste ano, pedido de autorização para a realização de concurso público, em 2026, para o provimento de 100 vagas da carreira de oficial de chancelaria. Aguarda-se resposta", explicou.
Segundo o Itamaraty, "as duas solicitações são parte do esforço do MRE de tentar recompor o quadro de servidores administrativos, que depende da autorização de outros órgãos da Administração Pública Federal e da disponibilidade de orçamento da União".
"A convocação do cadastro de reserva e a realização de novo concurso para a carreira de oficial de chancelaria deverão amenizar o vigente quadro de sublotação (de 2014 até o início de 2024, o número de oficiais de chancelaria diminuiu de 865 para 749, 13,4% de redução), contribuindo para a eficiência das ações deste Ministério tanto na Secretaria de Estado, em Brasília e nos escritórios regionais, quanto nos Postos no exterior", completou.
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