Jamil Chade

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Brasil prevê deportação em massa dos EUA e prepara plano de acolhimento

O governo Lula prevê uma intensificação ainda maior das prisões de imigrantes nos EUA e um fluxo sem precedentes de brasileiros de volta ao país, deportados ou de maneira voluntária. Diante desse cenário, o Palácio do Planalto inicia a elaboração de uma política de acolhimento para essa população.

Em entrevista ao UOL, a ministra de Direitos Humanos, Macaé Evaristo, explicou que o governo brasileiro já trata o assunto como crise e considera que o fluxo de pessoas será ampliado nos próximos meses. "De nossa parte, estamos trabalhando em uma política de acolhimento. É uma situação difícil", admitiu. "Esse tema não existia em nossa agenda e teremos de enfrentá-lo", disse.

Dos cerca de 5 milhões de brasileiros que vivem no exterior, 2 milhões estão nos EUA. Desse total, entre 230 mil e 300 mil estão lá de forma irregular. Cerca de 30 mil ainda estão com ordens de deportação.

A ministra esteve nos EUA nos últimos dias, se reunindo com a comunidade brasileira e com oficiais dos consulados em Nova York. Em suas reuniões, presenciadas pelo UOL, a ministra ouviu a angústia de entidades que lidam diariamente com imigrantes e pedidos de intervenção em casos individuais.

Numa delas, organizada pelo projeto Entre Fronteiras, ela foi cobrada sobre o que está sendo organizado pelo governo e recebeu propostas de como as ações podem ajudar os brasileiros.

De acordo com Evaristo, a prioridade num primeiro momento será garantir que filhos de brasileiros possam ter suas certidões de nascimento emitidas. Em alguns consulados nos EUA, a fila está levando quatro meses, deixando famílias sem documentos e sob o risco de serem separadas em caso da deportação dos pais. "Isso pode ter consequências gravíssimas", disse Macaé.

Num dos consulados do Brasil nos EUA, por exemplo, a ministra diz que o posto fazia 50 registros de crianças por mês antes da ofensiva de Trump. Hoje, são 500 certidões.

Orçamento

Outro passo é o reforço dos consulados. Conforme o UOL revelou com exclusividade, a escassez de funcionários é crônica e incapaz de lidar com a demanda atual. Um dos trabalhos do governo tem sido a discussão de uma ampliação do orçamento. "Não havia previsão orçamentária para isso", disse.

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Uma das ideias é a de direcionar parte das taxas coletadas pelos consulados para que fiquem nos próprios postos no exterior.

O governo brasileiro continua trabalhando com a Organização Internacional de Migrações (OIM) para montar uma estrutura para esse acolhimento. Por décadas, a entidade tem atuado em diferentes partes do mundo, também assessorando governos na recepção de seus nacionais que retornam aos países de origem.

Uma medida provisória determinou o envio de recursos para ajudar no acolhimento dos primeiros voos com deportados. A interiorização dos brasileiros que desembarcam em Manaus estava sendo feito por aviões da FAB. Mas a ideia é que esse processo seja transformado em um programa, com a ajuda da OIM.

Além do transporte, Macaé Evaristo aponta que o plano é o de garantir que as crianças possam ser inscritas em escolas locais, que as famílias tenham acesso ao SUS e que haja um apoio jurídico. Muitos dos deportados foram obrigados a deixar tudo que tinham nos EUA, com seus bens confiscados ou abandonados. "Estamos em diálogo com a Defensoria Pública da União para avaliar caminhos que podem ser usados para que essas pessoas tenham acesso a seus patrimônios", disse. "Tudo que elas tinham ficou nos EUA", destacou.

EUA sinalizam que ampliarão deportações

A nova fase do governo brasileiro ocorre depois de uma coleta de dados realizada por diplomatas e que sugere que haverá um salto na ofensiva contra os imigrantes nos EUA.

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Um dos sinais é o estabelecimento de acordos entre o governo federal com mais de 600 dos 1,3 mil condados pelo país para que os xerifes locais - e não apenas as autoridades de imigração - tenham o mandato para deter os imigrantes.

Outra evidência é a abertura de dezenas de novos centros de processamentos de detenção de imigrantes pelo país. No final de janeiro, quando Donald Trump assumiu o governo, existiam 49 locais. Hoje, já são 112 abertos em todo o país.

Para o governo brasileiro, portanto, não existe uma perspectiva de melhora na situação dos imigrantes.

Para completar, o governo americano negocia a contratação de uma empresa aérea que possa ampliar os voos de deportação, um sinal que está aumentando a capacidade de dar vazão aos deportados.

A avaliação do Brasil é de que a média de detenções diárias hoje de 1,5 mil estrangeiros é apenas uma limitação relacionada com a falta de espaço físico para lidar com esses imigrantes.

Ao aumentar essa capacidade, as prisões também vão aumentar. "A estrutura está se ampliando e a situação deve se agravar", admitiu um diplomata brasileiro.

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"Precisamos nos preparar", afirmou a ministra Macaé Evaristo. Segundo ela, até agora sua pasta vinha enviando uma equipe sempre que um voo de deportados chegava ao Brasil. "Agora precisamos avançar, desenhando uma política. Os números são muito grandes", justificou.

Segundo ela, o governo está examinando a estrutura que terá de montar para lidar com essa nova realidade, estabelecendo diálogo com prefeituras e governos estaduais.

"Muitos chegam aos EUA em busca de um sonho americano que não existe e que são submetidos a uma precarização violenta do trabalho", disse.

Um dos obstáculos é o temor de muitos desses brasileiros de se apresentarem às autoridades brasileiras. "Estamos vivendo um cenário de medo e de pessoas que não querem se apresentar por saberem que estão ameaçadas. Precisamos entender a complexidade desse processo para produzir políticas publicas", disse.

Temor de que brasileiros sejam enviados para Guantánamo e El Salvador

A chefe da pasta, porém, pondera sobre "elevar o tom" com o governo Trump, como muitos ativistas vêm exigindo. "Se sobe o tom, colocamos em risco os brasileiros", disse. Um dos temores do governo brasileiro é de que isso resulte em retaliações por parte de Washington, destinando os brasileiros para prisões em El Salvador ou Guantánamo.

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"Toda vez que tomamos uma medida, precisamos ter a cautela de pensar nas consequências. Precisamos ter muita responsabilidade", defendeu.

Ela garante, porém, que o governo tem tido contato com os americanos e relatado violações. "Temos de ter habilidade. Um passo errado e piorar ainda mais a situação", justificou.

Ela, porém, admite que tem recebido "informações preocupantes" e que "ninguém" imaginaria que a ofensiva teria tal dimensão. "Estamos nos organizando para ter políticas de longo prazo", garantiu.

Reportagem

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