Jamil Chade

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Reportagem

'Temo por uma guerra mundial', alerta Celso Amorim ao UOL

O embaixador Celso Amorim, assessor internacional da Presidência, não esconde sua preocupação diante dos ataques realizado por Donald Trump contra as instalações nucleares do Irã. "Eu nunca vi um momento tão tenso como esse", disse.

Em entrevista ao UOL neste domingo, o experiente diplomata insistiu que falava "em nome pessoal, do alto dos meus 83 anos". "Não estou dando uma declaração em nome do governo brasileiro. Mas estamos vivendo um momento de grande perigo", disse.

Segundo ele, os acontecimentos dos últimos dias no Irã terão um impacto direto na guerra e nas negociações na Ucrânia. "É um impacto muito grande. Um momento de grande perigo. Não é só o que ocorreu no Iraque, que foi condenável. Naquele momento, ninguém temia uma guerra mundial. Hoje, eu temo", alertou ele, relembrando a invasão liderada pelo ex-presidente George W. Bush ao Iraque, que culminou na queda de Saddam Hussein, em 2003.

Amorim pondera que não acredita que o risco seria de uma "guerra mundial total". "Dificilmente um país que tem uma arma nuclear a use contra outras potências nucleares. Acho que o grau de loucura não chegou a esse ponto. Mas pode ser uma guerra", disse.

O embaixador destacou que o mundo vive hoje duas "guerras graves", na Eurásia e no Oriente Médio. "Se as duas guerras se comunicarem, como pode acontecer, já seria praticamente uma guerra mundial", indicou.

"Se somar ao cenário a guerra tarifária, acho que o mundo está correndo o risco de afundar como eu nunca vi", lamentou.

A reportagem do UOL questionou se ele já havia vivido uma tensão parecida desde o final da Guerra Fria. Mas o embaixador respondeu reformulando até mesmo o período delimitado pela pergunta. Segundo ele, a tensão que o mundo atravessa hoje é maior inclusive do que os momentos mais críticos da Guerra Fria. "Nunca viu em minha vida nada parecido em termos de tensão", disse.

"Mesmo no momento da crise dos mísseis de Cuba, evidente que tivemos um momento de drama. Mas, naquilo, envolvia duas pessoas. Uma de cada lado", explicou. "Hoje, você não controla. Tem os iranianos, os israelenses, tem aqueles que têm armas químicas. É muito complexo", alertou.

Risco de se alastrar

Um dos riscos, na avaliação do embaixador, é de que o exemplo de um ataque americano no Irã - justificada por uma atitude "preventiva" - se alastre para outras regiões do mundo.

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Sua preocupação é de que um líder na China ou em outro país possa considerar que, também de forma preventiva, poderia agir diante de ameaças para seus interesses. "Isso é muito perigoso", alertou.

Para ele, os atos dos últimos dias "estão ameaçando o povo iraniano, a região, o risco de guerra, mas também a credibilidade da ONU e do Tratado de Não Proliferação".

Segundo ele, o Brasil não tem intenção alguma de sair do pacto nuclear e "continuará a lutar pelo desarmamento". "Mas teria sido mais difícil entrar hoje, depois dessa situação. Haveria mais dúvidas. Nossas e de outros", admitiu.

EUA incentivam países a buscar armas nucleares

Amorim considera que o ataque americano ainda terá um efeito contrário aos objetivos dos EUA, de supostamente enterrar planos de governos de desenvolverem armas nucleares.

"O que os americanos estão fazendo é estimular um país a chegar a uma arma nuclear. Nesse caso, o poder de retaliação seria muito grande", disse.

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Amorim acredita que a crise poderia ter sido evitada se o acordo nuclear negociado há quinze anos e mediado pelo Brasil tivesse sido aceito pelos EUA. "Isso tudo poderia ter sido totalmente evitado", lamentou. Naquele momento, o embaixador era um dos mediadores nas negociações com os iranianos.

"A ideia era de Barack Obama e da AIEA. Se aquilo tivesse sido feito, com um acordo de swap, o Irã hoje não teria condições de estar produzindo urânio em 60%. Isso tudo teria parado antes. Eles poderiam continuar enriquecendo urânio, mas com inspeções", disse.

Amorim acredita que o Irã não teria incentivos para violar aquele acordo. "Toda a discussão foi muito franca, muito sincera. Eles aceitaram o plano da maneira que os americanos tinham proposto", afirmou.

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