Jamil Chade

Jamil Chade

Siga nas redes
Só para assinantesAssine UOL
Reportagem

EUA pressionam em eleição estratégica na América Latina; Brasil busca vaga

O governo dos EUA ampliou a pressão e passou a fazer ameaças para garantir que sua candidata tenha um lugar garantido na eleição que ocorre nesta sexta-feira para a Comissão Interamericana de Direitos Humanos.

A corrida levou Brasil e EUA a testar suas forças, num primeiro embate entre as diplomacias de Luiz Inácio Lula da Silva e Donald Trump durante a Assembleia Geral da OEA (Organização dos Estados Americanos). Apoiada pelo movimento de extrema direita, a Casa Branca tentará emplacar a filha de um dissidente cubano para uma das três vagas na Comissão e faz intensa pressão sobre os governos da região.

O UOL apurou que as gestões dos EUA envolvem articulações com países, principalmente os mais vulneráveis, e ameaças de cortes de recursos para programas, caso governos optem por evitar a candidata do governo Trump.

Num gesto raro, a diplomacia americana ainda destacou para a reunião da OEA seu sub-secretário de Estado, Christopher Landau, fluente em espanhol. Tradicionalmente, o Departamento de Estado apenas designa diplomatas de um escalão mais baixo para esses encontros. Enquanto isso, a secretária do Departamento de Segurança Naiconal dos EUA, Kristi Noem, faz uma turnê pela Costa Rica, Panamá, Honduras e Guatemala.

Brasil também decidiu lançar um candidato, na esperança de frear o avanço ultraconservador e testando sua influência entre os vizinhos. Conforme o UOL antecipou com exclusividade, a aposta do Palácio do Planalto foi pelo acadêmico Fabio de Sá e Silva, que já esteve à frente de pesquisas e políticas em temas prisionais, de segurança pública e acesso à justiça. Silva já trabalhou no antigo Ministério da Justiça e foi consultor de vários organismos internacionais com atuação em direitos humanos, incluindo a própria Comissão.

A corrida ainda conta com outros cinco candidatos, inclusive de expoentes dos movimentos ultraconservadores.

Nas últimas semanas, diplomatas relataram ao UOL uma "intensa ofensiva" realizada pela diplomacia do secretário de Estado norte-americano Marco Rubio para pressionar governos a votar pela dissidente cubana.

Além de governos aliados na Argentina, Paraguai e El Salvador, os americanos têm insistido por um apoio por sua candidata entre os países do Caribe e América Central. O bloco caribenho, por exemplo, representa 15 votos e é considerado como crítico para qualquer eleição.

O governo brasileiro tentou atrair também a região, realizando uma cúpula na semana passada em Brasília.

Continua após a publicidade

A iniciativa de Washington faz parte da estratégia para influenciar a agenda internacional de direitos humanos e instrumentalizar as agências para cumprirem os objetivos de política externa da Casa Branca.

A eleição no organismo da OEA é considerada como estratégica, tanto para os governos progressistas como para o movimento ultraconservador. O voto vai definir três das sete vagas da Comissão. Ao longo da história, o órgão foi fundamental para denunciar ditaduras na América Latina e alertar sobre graves violações de direitos humanos.

Mas, recentemente, passou a ser alvo de uma tentativa por parte da extrema direita para tentar influenciar sua agenda. Grupos como a ADF, com um poderoso escritório de lobby em Washington, passaram a prestar consultoria para as alas mais radicais do bolsonarismo, na esperança de convencer a Comissão de que existe uma suposta ditadura no Brasil e a censura de vozes dissidentes. Em recentes viagens de deputados do PL para Washington, foram essas entidades que serviram como base logística e chegaram a entrar nas reuniões.

O Brasil também articula com outros governos da região uma contraofensiva para não deixar a Comissão cair nas mãos da Casa Branca ou de movimentos de extrema direita.

Quem é a escolhida de Trump

O nome escolhido pela Casa Branca para o processo eleitoral é Rosa María Payá, filha do falecido Oswaldo Payá, opositor cubano que, segundo a Casa Branca, "assassinado pelo regime cubano".

Continua após a publicidade

Nos últimos anos, ela tem sido uma das principais vozes contra a normalização das relações entre os EUA e Havana. Ela tem defendido o embargo americano contra Cuba, enquanto na ONU, a cada ano, mais de 180 países pelo mundo condenam o ato dos EUA.

"Retirar o regime da lista de Estados Patrocinadores do Terrorismo é contrário à segurança nacional dos EUA", disse Payá nas redes sociais.
A candidata também chegou a dizer que a vice-presidente da Colômbia, Francia Márquez, seria uma "apoiadora do terrorismo" e atacou o presidente chileno Gabriel Boric. Já a ex-presidente boliviana ultraconservadora Jeanine Áñez, hoje presa, recebeu elogios da parte da ativista.
Um levantamento realizado ainda pelo Center for Economic and Policy Research apontou ainda a vinculação da aposta do governo Trump com o financiamento americano na ofensiva contra Cuba.

Segundo o documento, a principal afiliação de Payá é a entidade Cuba Decide, da qual ela é fundadora. Cuba Decide, por sua vez, é um projeto da Fundación para la Democracia Panamericana (FDP), que também foi fundada pela candidata.

"As finanças de nenhuma das organizações são totalmente públicas", diz o centro de pesquisa. "No entanto, a Cuba Decide lista publicamente vários de seus financiadores em sua página "Supporters" (Apoiadores). Um número significativo desses financiadores recebe financiamento do governo dos EUA para trabalhos aparentemente relacionados aos da Cuba Decide", destacam.

Isso inclui:

  • Red Latinoamericana de Jóvenes por la Democracia - da qual Payá é ou foi no passado "presidente honorário" - que recebe quase a totalidade de seu financiamento de subsídios do governo (veja os formulários 990 para os anos de 2023, 2022 e 2021).
  • A Bacardi Family Foundation, que recebeu centenas de milhares de dólares em doações da USAID e lista diretamente o Cuba Decide como um projeto que apoia financeiramente.
  • O Center for a Free Cuba (Centro para uma Cuba Livre), que há muito tempo recebe subsídios do US National Endowment for Democracy (Fundo Nacional para a Democracia dos EUA).
  • A Fundação para os Direitos Humanos em Cuba, que recebeu milhões de dólares em subsídios da USAID e cita diretamente a Cuba Decide como parceira.
  • A Victims of Communism Memorial Foundation, que recebeu pelo menos US$ 1,5 milhão da USAID para seu trabalho em Cuba e está listada no ForeignAssistance.gov como a terceira maior beneficiária de fundos de assistência estrangeira relacionados ao trabalho em Cuba.

Reportagem

Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

Deixe seu comentário

O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Leia as Regras de Uso do UOL.