Joildo Santos

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Opinião

Futebol de várzea, raízes de uma paixão nacional

Se tem uma coisa que a várzea ensina é que o futebol não nasceu nos estádios com grama impecável e placares eletrônicos. Ele brotou ali, no barro, na terra batida, entre as vielas das periferias onde o som do apito improvisado ecoa mais alto que qualquer megafone profissional. O futebol de várzea é raiz, é cultura, é história. É onde o moleque descalço aprende a driblar a vida antes de driblar os zagueiros.

Nos campinhos de fundo de quintal, cercados por muretas de tijolo e arquibancadas de madeira improvisada, rola muito mais do que uma bola. Rola sonho, suor, emoção. Aqui, não há holofotes da grande mídia nem contratos milionários - mas a paixão é tão visceral que nenhum estádio lotado conseguiria reproduzir. Cada chute, cada grito de gol, cada abraço coletivo após uma virada épica carrega consigo a alma de quem joga não pelo dinheiro, mas pela honra da camisa, pelo bairro, pela comunidade.

Nos últimos anos, o futebol de várzea deixou de ser apenas um "jogo de domingo" para se transformar em um fenômeno social e econômico. Torneios como a Copa da Paz , em Paraisópolis , a Copa Pioneer e a Taça das Favelas saíram do anonimato e ganharam status de verdadeiras instituições. São competições que reúnem times históricos, rivalidades centenárias e uma estrutura que, muitas vezes, supera a organização de torneios profissionais. As multidões que lotam as arquibancadas não estão ali só para assistir ao jogo - estão ali para celebrar sua identidade, para defender suas cores, para cantar até perder a voz.

E não para por aí. A várzea também virou vitrine. Muitos dos craques que hoje brilham nos gramados da elite começaram ali, chutando latinha, jogando descalço sob o sol escaldante. Esses campeonatos são observados por olheiros atentos, que sabem que o próximo Neymar ou Gabriel Jesus pode estar escondido em algum campinho de terra. Mas, além dos jovens talentos, outro fenômeno tem chamado atenção: a volta dos jogadores profissionais às origens.

Hoje, não é raro ver nomes conhecidos do futebol brasileiro pisando novamente nos campos de várzea. Seja para ajudar o time do coração ou simplesmente para matar a saudade daquele futebol sem frescura, esses atletas têm fortalecido ainda mais a cena varzeana. Eles mostram que, por mais longe que a carreira leve, a essência nunca muda: a várzea é o berço, o lugar onde tudo começou.

Mas a várzea vai muito além do esporte. Ela é uma engrenagem poderosa que movimenta economias locais. Ambulantes vendem seus pastéis e refrigerantes gelados; uniformes são produzidos; barbeiros capricham no visual dos jogadores antes das partidas. Tudo isso gera renda, oportunidades e dignidade para quem vive nas quebradas. É um ciclo virtuoso que sustenta famílias e fortalece comunidades.

A várzea também é escola. Ensina valores que vão muito além do drible e do passe. Ali, o moleque aprende sobre trabalho em equipe, respeito ao adversário, humildade na vitória e resiliência na derrota. Aprendem, acima de tudo, que a vida é como aquele campinho: cheio de buracos, mas possível de ser vencido com garra e criatividade.

Por isso, quando alguém subestima o futebol de várzea, está ignorando a própria essência do Brasil. É aqui, nesses campos improvisados, que o país encontra sua verdadeira identidade futebolística. A várzea é resistência, é tradição, é celeiro de talentos. É o lugar onde o futebol continua sendo puro, genuíno, humano.

Quem conhece a várzea sabe: ela não é apenas um espaço para jogar bola. É um santuário. Um pedaço sagrado da nossa cultura. E enquanto houver um campinho de terra e um sonhador disposto a correr atrás da bola, a várzea continuará sendo o coração pulsante do futebol brasileiro.

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Porque aqui, meu irmão, é onde tudo começa.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.