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José Luiz Portella

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Desigualdade: Economista de Moro, Pastore, bate na trave

Affonso Pastore no UOL Entrevista - UOL
Affonso Pastore no UOL Entrevista Imagem: UOL

Colunista do UOL

19/11/2021 12h18

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Moro encontrou um economista para chamar de "seu". Affonso Celso Pastore é muito melhor do que Paulo Guedes. Um professor de alto nível, equilibrado, não faz bravatas, mais competente.

Moro não sabe nada de economia, nem de política partidária, porém, via relacionamento familiar foi bater em um Posto bem melhor do que o Ipiranga de Bolsonaro. Mérito ou sorte, não importa, está em um caminho quase certo.

O problema de Pastore não são as ideias, bastante bem articuladas e com uma visão social positiva. Nas entrevistas que concedeu, Pastore se mostrou um professor nato e bem didático.

Arrostou o liberalismo de Friedrich Von Hayek, da escola austríaca, e de Milton Friedman, de Chicago, colocando que prefere o capitalismo do Norte Europeu, que é um capitalismo social-democrata, onde a empresa não tem como única missão dar lucro (visão de Friedman), ela precisa se incorporar na resolução de problemas sociais, sobretudo da desigualdade. Até aí foi muito bem, e deu um recado importante para os radicais de mercado que entendem que cada um precisa se virar por si, saia das condições sociais de desigualdade que sair. Um conservadorismo insensível.

Mas, o chute bateu na trave, porque por mais suscetível socialmente que Pastore seja, ele traz em si, inextricavelmente jungido, o viés do mercado financeiro.

Ele quer partir do ajuste fiscal para chegar ao crescimento e combater a desigualdade. Discordo frontalmente, neste ponto.

Precisamos de um plano de desenvolvimento que parta da desigualdade e tenha projetos para eliminar a extrema pobreza e isso vai permitir realizar um gasto com estabilidade fiscal, se for bem feito, a partir de um Orçamento com Base Zero, onde eliminaremos os gastos desnecessários que estão no Orçamento e os gastos privilegiados, parte constante, nos 320 bilhões de isenções e incentivos. Parte que pode vir da taxação de dividendos e extinção dos Juros Sobre Capital Próprio, parte pode vir da redução dos Fundos Eleitoral e Partidário, parte pode vir da eliminação do Orçamento Secreto (um mensalão 2), parte pode vir da eliminação da emenda do relator RP-9, sem eliminar as emendas dos parlamentares (que devem estar voltadas 50% , pelo menos à desigualdade).

Quer dizer, dinheiro tem, e muito, para um plano de desenvolvimento contra a desigualdade que colocaria no seu rol não só projetos sociais, mas também de infraestrutura, desde que combatam a desigualdade. Que estrada fazer? Entre as prioridades, escolher a que dá mais emprego e que regionalmente atende mais os necessitados da região. Cada projeto de infraestrutura inserido deve ser priorizado pela capacidade que tem de gerar emprego e renda para quem precisa mais. Sem ultrapassar uma meta fiscal estipulada, depois de se saber o que se tem no Orçamento Geral da União, e não cometer um aumento de dívida insustentável.

E sem sair cortando cegamente. Levando em conta que temos ainda o BNDES, com empréstimos embasados tecnicamente, financiamento externo, sobretudo para projetos responsáveis na Amazônia, que podem gera empregos na região e concessões que façam sentido. Mas, não a privatização da Petrobras, uma empresa que atua em área essencial para o país. Tudo tem limites, sair privatizando à louca, no estilo friedmaniano, não funciona. Nos EUA o 1% mais rico tem a mesma renda dos 60% mais pobres. É bonito isso?

Para ilustrar, o melhor programa de ajuste para o crescimento foi o PAEG de Roberto Campos, no começo do regime militar, onde ele contou com uma total repressão aos sindicatos e direitos dos trabalhadores, fez um programa visando à redução do déficit de caixa para aliviar a pressão inflacionária e dar condições ao desenvolvimento, disciplinou o consumo, fortaleceu à poupança privada, incentivou ingresso do capital estrangeiro, comprimiu as despesas de custeio, cortou despesas das estatais, eliminou subsídios cambiais ao consumo, em síntese, fez um ajuste bem liberal, embora com algumas concessões pequenas à questão social, como um bom liberal gosta de fazer para salvar a alma do inferno. Vai que ele existe?

Isso resultou em crescimento adiante. Um crescimento imenso, principalmente, no governo de Médici, onde atingiu 13,97% de aumento de PIB e média de 11,0% ao ano. Então estou pegando o projeto de ajuste com mais êxito da história do pais, que gerou o período maior crescimento do Brasil.

E qual foi o resultado?

Concentração de renda e piora do índice de GINI, ou seja, AUMENTO DA DESIGUALDADE. Que Pastore não quer com o seu capitalismo do Norte Europeu. Crescer não é distribuir. E quanto mais concentrar, mais desigualdade, quer dizer, o PAEG bem estruturado dentro do conceito liberal, ocasionou aumento no fosso.

O erro de Pastore não são as reformas que deseja propor, ele está certo também nisso, o erro é partir do danado ajuste fiscal que virou um mantra do mercado financeiro, de jornalistas que compram gato por lebre, de colunistas abalizados que servem aos conceitos e valores do mercado. O mantra pode virar um carma. E gera mais desigualdade.

É possível não gastar indevidamente, começando pelo combate avassalador à desigualdade que nos envergonha.

Sabe o que fizeram com aquele "milagre brasileiro", de desenvolvimento que Roberto Campos proporcionou. Delfim, aquele que faz um discurso em cada lugar, conforme a conveniência, mas está sempre ao lado do poder, dando uma sustentação moral astuta, deixou o bolo crescer e não distribuiu nenhuma fatia. Ainda por cima, na sua esquizofrenia entre o falar e o fazer, concordou em criar 274 estatais, que no discurso atual seria uma incoerência. Delfim foi um dos maiores amplificadores do Estado, que depois veio a combater, com aquela face de falso técnico. Ele sabe a importância do estado. Só é volátil.

Para se desenvolver, crescer e distribuir simultaneamente, o caminho é partir da desigualdade.

Um plano de Desenvolvimento, que já detalhamos em coluna anterior, que a coloque no foco e na síntese de tudo.

Além de resolvermos a questão ética e moral de um país com a nossa potencialidade não ter extrema pobreza, de elevarmos um tanto o piso dos mais pobres, vamos propiciar realizar o controle da trajetória da dívida, como o mercado almeja, sem o sacrifício dos mais pobres.

E se tiver inferno, não iremos para lá.