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José Luiz Portella

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

A queda do PIB, recessão e o mantra do ajuste fiscal

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gráfico, economia, queda, pib, investimentos, recessão, crise econômica Imagem: Getty Images

Colunista do UOL

02/12/2021 10h25

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O PIB do terceiro trimestre veio um pouco abaixo do esperado apesar das bravatas ufanistas de Paulo Guedes, e o país entrou tecnicamente em recessão. Dois trimestres continuados de queda.

Não há registro na história do Brasil de ajuste fiscal que tenha gerado desenvolvimento com distribuição de renda.

O PAEG (Plano de Ação Econômica do Governo) lançado em agosto de 1964, elaborado por Roberto Campos, que foi gradual, a despeito dos americanos na época terem cobrado que fosse mais incisivo, e o liberal Campos tenha se recusado a fazê-lo, justamente pelos efeitos que faria na economia contra a sociedade, resultou mais adiante, em crescimento sem distribuição de renda. Principalmente no governo Médici, onde houve um dos maiores crescimentos de PIB da história do Brasil, com concentração de renda.

Entre 1980 e 1982, Delfim Neto como ministro do Planejamento, efetuou um grande ajuste que culminou na década perdida, vindo de um aumento de PIB de 9,23% em 1980, tivemos queda (-4,25%) em 81, +0,83 em 82 e -2,93 em 83, só nos recuperando com o III Plano Nacional de Desenvolvimento e Cruzado, já no governo Sarney. Sem distribuição de renda.

Precisamos ter uma meta fiscal e um controle da trajetória da dívida, porém, não é com ajuste fiscal causando mais arrocho agora, que seguiremos pelo melhor caminho, pois só agravaremos a recessão, e por consequência, a desigualdade, a carestia e o sofrimento dos mais pobres, que já estão passando, literalmente, por situação famélica em determinados estratos da sociedade.

Brasil precisa, antes de tudo, realizar um Orçamento com Base Zero, esquecer os orçamentos anteriores eivados de impropriedades, privilégios e jabutis e verificar como investir no combate avassalador à desigualdade; estabelecer isso como prioridade, e determinar uma meta fiscal, cortando aquilo que não afeta a vida dos mais pobres e irriga os privilégios de estratos superiores da sociedade.

Essa verificação ninguém quer fazer, porque sabe que há tais privilégios e que os beneficiários são representantes de áreas fortes na sociedade em termos de dinheiro e influência. Esta é a questão.

A taxação de dividendos está estagnada no Senado, a facilidade Refis para empresas ricas está à solta, as desonerações para protegidos à vista, e ninguém toca nelas.

Num momento de recessão, se você faz um ajuste, assim como Joaquim Levy o fez, você provoca mais recessão, o governo arrecada menos, as condições pioram e tudo é mais pungente para a sociedade.

Será que as pessoas de bom senso não conseguem ver? Ou não há bom senso nesse mantra do ajuste fiscal repetido por muita gente do mercado em programas de entrevistas na TV e até por jornalistas que foram tomados pelo "mercadismo cultural" e não leem a história econômica do país.

Ajuste fiscal não é a simplificação do gastar menos do que se arrecada, como pensam com simplismo certas pessoas, é cortar gastos que impactam na desconstrução da desigualdade, quando podemos gastar dentro de uma meta fiscal estipulada, portanto, ter controle da trajetória da dívida, e com a seletividade nos gastos, destinar recursos para o combate à desigualdade.

Realizar um ajuste fiscal agora, não só é errado, como há saída para não aumentar as dificuldades dos mais carentes, sem cometer qualquer desatino e sem ajuste abrupto como os americanos queriam e Roberto Campos rejeitou em 1964. Em período que o regime militar tinha todo o poder sobre a sociedade civil.

Imagina fazer um ajuste fiscal agora, e em ano eleitoral, sem necessidade e piorando a vida dos brasileiros. Além de não inteligente, será explosivo.

Esse mantra do ajuste fiscal imposto à sociedade, criou um caráter confessional a todos, uma pregação religiosa dogmática, e de tanto repetir virou uma falsa necessidade.