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José Luiz Portella

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

BC independente erra na inflação. E não precisa cortar gastos sociais

Bate recorde famílias registradas no Brasil em extrema pobreza; na imagem, moradores de rua em praça em frente a Centro de Apoio Psicossocial Infantojuvenil em Maceió - Beto Macário/UOL
Bate recorde famílias registradas no Brasil em extrema pobreza; na imagem, moradores de rua em praça em frente a Centro de Apoio Psicossocial Infantojuvenil em Maceió Imagem: Beto Macário/UOL

Colunista do UOL

11/01/2022 13h34

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O Brasil não está em desequilíbrio fiscal. Mansueto Almeida, agente do mercado financeiro, reconheceu que o resultado fiscal superou previsões mais otimistas. De quem? Da maioria do mercado financeiro.

Conseguimos atingir o superávit primário entre 20 e 40 bilhões de reais, segundo Mansueto.

Temos 360 bilhões de dólares de reservas, alcançamos uma trajetória decrescente da dívida, afastando-nos do terrorismo dos 100% apregoado, indo de 82% para 81%. A estimativa de déficit para 2022 é de 77 bilhões de reais, se continuarmos a dar 310 bilhões de isenções e desonerações, e se continuarmos a permitir emenda do relator. Ou seja, se quisermos, podemos não ter déficit nenhum e investir fortemente no extermínio da extrema pobreza.

Assombração sabe para quem aparece.

O busílis é que o mercado atingiu o que queria: decréscimo da dívida e superávit primário. O que ganhou a população: desemprego ainda alto, insegurança alimentar de 20 milhões de pessoas, inflação.

O Banco Central independente não entregou o seu mandato. O que vai fazer? Só uma carta e tudo bem. Para ele. Não para milhões de pessoas que estão sofrendo com a inflação que o BC não soube controlar. Ou ele abaixou demais os juros, ou demorou demais para subir. Demorou para subir e, quando o fez, foi lento.

O BC também se equivocou na comunicação, dizendo que faria parcial, que faria menos do que era esperado. Apostou na inflação temporária, mesmo com depreciação cambial causada pela incerteza política de Bolsonaro, demorou a subir. Quase todos os BCs do mundo subestimaram a inflação. Mas, foi um erro? Sim. Embora Campos Neto seja sério.

Só que o erro do BC vai submeter muita gente pobre no Brasil a uma perda de renda maior e mais vulnerabilidade. E, daí? diria o insensível Bolsonaro.

Daí que milhões vão passar fome ou quase isso. Ter uma vida pior, porque o BC errou. E vai apresentar uma cartinha como lição de segunda época.

A questão é: parte dominante do mercado (não o todo) prioriza as contas públicas, trata da pobreza e da desigualdade como uma compensação.

Creio, que deveria ser exatamente o contrário.

Cuidar primeiro da diminuição da pobreza, do sofrimento de milhões de pessoas, e depois compensar no sentido de não criar uma dívida impagável. É bem diferente. E dá para fazer.

Em vez de porta-vozes do mercado que não têm empatia com a pobreza alheia, ir na TV, como foram no programa de William Waack e dizer que estávamos com desequilíbrio fiscal, e não estávamos, e procurar induzir a sociedade ao corte de gastos, com terror fiscal infundado, precisamos colocar 20 milhões de pessoas na dignidade humana. É repulsivo e desonesto intelectualmente permanecer com esse terrorismo.

"O mercado se assusta muito", diz Mansueto, ou seja, temos que embalar o mercado num berço quentinho e deixar de cuidar das pessoas que estão em situação de extrema pobreza, no frio.

A conclusão com os números que Mansueto apresenta, e teve a honestidade de reconhecer, é que podemos fazer uma política agressiva de combate à pobreza, sem cometer desatino fiscal.

Isso precisa ficar claro para a população, que não lida com os números da economia.

O mercado financeiro (parte dominante) tem o direito de lutar pelos seus interesses, desde que não minta, nem engode os jornalistas, que digerem a ladainha dogmática.

A serviço de um controle político do Estado e da vida da população. Sem voto. O que é o BC independente? É a conquista do Poder pelo mercado, sem um voto sequer.

Quem deve dar as cartas é o conjunto da sociedade e políticos, que saibam manter independência do mercado, e não se arrastar para os tapetes da Faria Lima, com subserviência crônica.

É preciso ouvir a Faria Lima, mas não é preciso obedecê-la em seus caprichos. Tira-se o que parece razoável e se leva em conta o todo da sociedade.

A Faria Lima enaltecia Lula e o PT, enquanto ganhava dinheiro, e aplaudia Dilma 1, quando continuou a ganhar. Rompeu, só quando começou a perder.

Utilizou uma gestão desastrosa para incriminar qualquer política com viés distributivo. É como pegar o erro do BC atual com a inflação e desacreditar qualquer política monetária. Excessos, deturpam.

Dilma foi a pessoa que mais desmoralizou as políticas sociais, seus erros permitiram, que qualquer visão social se transformasse num cenário de depravação fiscal e desenvolvimentismo virou palavrão. Herança de Dilma.

Não estamos em desequilíbrio fiscal, não precisamos fazer cortes de gastos sociais. Podemos ter meta fiscal, Teto de gastos, não.

Precisamos realocar as rubricas, tirando, sobretudo, do excesso de privilégios nas isenções concedidas e realocar nas políticas de combate à extrema pobreza. Sem despender um real a mais, por ora, em 2022.

Necessitamos de vergonha na cara!

Nosso grau de pobreza é indevido e desnecessário. Um crime que a interação de todos nós, está deixando se suceder.