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Josias de Souza

Moro diz que não assinaria documento excluindo-se da disputa presidencial

Colunista do UOL

21/01/2020 04h32

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Entrevistado no programa Roda Viva, Sergio Moro foi questionado novamente sobre a hipótese de disputar a Presidência da República. "Não tenho esse tipo de ambição", declarou, engatando o mesmo blábláblá que repete sempre que a pergunta ressurge. "Importante para mim é fazer um bom trabalho como ministro."

Uma das entrevistadoras aplicou em Moro algo parecido com um xeque-mate: Assinaria um documento dizendo que não será candidato? E Moro: "Não faz o menor sentido assinar um documento desses, porque muitas pessoas assinaram esses documentos e depois rasgaram."

Quer dizer: ainda subordinado a Jair Bolsonaro, Moro procurou não parecer o que é, para não passar para o chefe a impressão de que é o que parece. Exorcizou a ideia de documentar sua hipotética desambição política porque não lhe interessa excluir do baralho a essa altura a alternativa de ser e parecer.

Recordou-se a Moro que sua popularidade é maior que a do chefe. Já foi picado pela mosca da política?, quis saber a repórter. O ministro encostou o lero-lero de praxe num brocardo latino que, noutros tempos, costumava ser mencionado nas cerimônias de coroação dos papas, para realçar que a pompa e o poder são coisas efêmeras: "Sic transit gloria mundi" (a glória do mundo é passageira).

A entrevista incluiu trechos embaraçosas. O embaraço foi maior pelas perguntas que o ex-juiz da Lava Jato teve que ouvir do que pelas respostas que o ministro da Justiça não conseguiu oferecer. A certa altura, uma repórter avisou: "Eu queria falar de corrupção."

Nesse ponto, Moro foi confrontado com declarações que fizera na fase de transição do governo, antes de tomar posse. Afirmara que ministro do novo governo que sofresse denúncia consistente de corrupção deveria ser afastado. Disse que não seria necessário esperar pelo julgamento.

A repórter preparou o bote: O ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio, foi indiciado pela Polícia Federal e denunciado pelo Ministério Público por falsidade ideológica, associação criminosa e apropriação indébita de recursos do fundo eleitoral. Foi à jugular: O ministro do Turismo deve ser afastado?

Moro escorregou como peixe ensaboado: "Isso ilustra o fato de que a Polícia Federal tem atuado com absoluta autonomia e liberdade." Tentou mudar de assunto: "O que coloquei para a PF quando assumi foi que nós precisávamos continuar fazendo o trabalho contra a corrupção, mas precisava também focar na criminalidade organizada."

A repórter tentou retomar o fio da meada: "Então, quando a Polícia Federal indicia um ministro..." Morou atalhou-a: "Está fazendo o trabalho dela. Cabe à Justiça fazer a avaliação dela e ao presidente fazer a sua avaliação."

Um repórter emendou: "O senhor não se constrange de integrar um governo com um ministro denunciado?" Moro recorreu ao replay: "Veja, cabe à polícia fazer o seu trabalho, à Justiça fazer o seu trabalho e cabe ao presidente fazer a sua avaliação."

Esse Moro do Roda Viva soou como um sub-Moro se comparado com o personagem da entrevista do final de 2018, que inspirou as indagações. Nela, após aceitar o convite de Bolsonaro para trocar 22 anos de magistratura por uma poltrona na Esplanada, o ex-juiz da Lava jato dissera coisas assim: "Eu não assumiria um papel de ministro da Justiça com o risco de comprometer a minha biografia, o meu histórico."

Ou assim: "Eu defendo que, em caso de corrupção, se analisem as provas e se faça um juízo de consistência, porque também existem acusações infundadas, pessoas têm direito de defesa. Mas é possível analisar desde logo a robustez das provas e emitir um juízo de valor. Não é preciso esperar as cortes de Justiça proferirem o julgamento."

Hoje, Moro submete sua biografia ao convívio diário com um presidente que mantém em sua equipe não um, mas meia dúzia de ministros encrencados com a lei. Pior: encosta seu histórico de ex-juiz implacável num chefe cujo filho mais velho, Flávio Bolsonaro, é acossado por suspeitas de peculato e lavagem de dinheiro.

Num cenário assim, tão enodoado, Moro teria de fazer hora extra para manter em pé o compromisso de "analisar a robustez das provas e emitir um juízo de valor" sobre os suspeitos que surgissem ao seu redor. Autoconvertido em engolidor de sapos, Moro acumula um passivo que o condena a participar da disputa presidencial de 2022. Falta definir apenas em que condições.

Ausente, Moro apanhará indefeso. Candidatando-se, poderá pelo menos se defender. Daí, talvez, a aversão à ideia de assinar com três anos de antecedência um documento excluindo-se do processo eleitoral.