Topo

Josias de Souza

Governante com medo de livro pede exclamação

Colunista do UOL

08/02/2020 00h45

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

A aversão a livros é uma patologia perigosa. Esse tipo de moléstia exige reação vigorosa. Sob pena de assistirmos a uma escalada de restrições em que nem o catálogo telefônico estará a salvo da crítica literária de autoridades de plantão. O brasileiro se espanta cada vez menos. É como se as pessoas suprimissem dos seus hábitos o ponto de exclamação. Perde-se a noção da importância do espanto. Mas há ocasiões em que o horror é essencial à preservação da sanidade.

Quando um presidente da República se sente à vontade para declarar que é preciso "suavizar" livros didáticos porque eles têm "muita coisa escrita", é sinal de que o absurdo ganhou uma certa naturalidade. No instante em que o governo de um Estado como Rondônia, comandado por um aliado do presidente, faz circular memorando com a ordem de recolhimento de 43 livros em bibliotecas escolares, fica claro que a irracionalidade é contagiosa.

Os livros apresentam "conteúdos inadequados às crianças e adolescentes", anotou o memorando. Espantoso! Entre as obras tidas como inadequadas, há clássicos nacionais: Macunaíma, Agosto, Os Sertões, Memórias Póstumas de Brás Cubas, Beijo no Asfalto e um interminável etcétera. Assustador! Além de alcançar nomes consagrados da literatura nacional —Mario de Andrade, Rubem Fonseca, Guimarães Rosa, Machado de Assis, Nelson Rodrigues...— a censura foi estendida a estrangeiros do porte de Franz Kafka e Edgar Allan Poe. Horripilante!

Por sorte, uma alma iluminada do funcionalismo do governo de Rondônia, hoje comandado pelo Coronel Marcos Rocha, do PSL, fez uma concessão à surpresa. E vazou para a imprensa o memorando obtuso. Pilhados, os arautos da estupidez recuaram. Os livros continuarão nas bibliotecas. Episódios assim ajudam a compreender por que certos governantes e autoridades têm tanta aversão à imprensa e aos livros. São duas coisas muito perigosas. Juntas, levam à lucidez que permite diferenciar governantes de farsantes. Aversão de gestores públicos a livros é algo que exige que a sociedade ressuscite o ponto de exclamação.