Imagem de Bolsonaro é tisnada por milícia e bananas
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Pela segunda semana consecutiva, Jair Bolsonaro deu uma banana para os repórteres que o aguardavam na saída do Palácio da Alvorada. Como de costume, saboreou os aplausos dos súditos que comparecem ao local para venerá-lo. Chamaram-no de "mito". Extasiado, o capitão meteu-se no carro oficial e debandou, deixando atrás de si um rastro de dúvidas.
Bolsonaro tem uma propensão para a teatralidade. Costuma dizer que nenhum outro presidente deu tantas entrevistas. É parte do teatro. Em verdade, para o atual inquilino do Alvorada, o bom diálogo com os repórteres é aquele em que ele obriga o interlocutor a calar a boca. Perde a linha sempre que não acha resposta para as perguntas que o assediam.
As entrevistas de Bolsonaro tornaram-se constrangedoras. Constrangem não pelas perguntas que ouve, mas pelas respostas que não consegue dar. Neste sábado (15/02), abespinhou-se com as indagações sobre uma reforma que mandou fazer na biblioteca do Planalto, para acomodar a primeira-dama Michelle e a equipe que a assessora num programa que promove o trabalho voluntário no país.
Reduziu-se o espaço destinado aos visitantes da biblioteca. É a segunda obra realizada com o mesmo propósito, informou notícia do Globo. Há sete meses, torraram-se R$ 330 mil em verbas públicas para abrigar Michelle e sua equipe no Ministério da Cidadania.
Súbito, decidiu-se transferir o programa de Michelle, Pátria Voluntária, para o organograma da Casa Civil, na Presidência. Daí a nova reforma. Bolsonaro disse que sua mulher merece aplausos, pois trabalha de graça.
"Estão descendo a lenha que a biblioteca vai diminuir", ralhou o presidente. "Em vez de elogiar a primeira-dama, ficam criticando. Quem age dessa maneira merece outra banana." Nenhuma palavra sobre o custo da segunda obra. Nem sinal de explicação sobre a destinação da estrutura anterior.
O tema que mais irrita o presidente é o inquérito estrelado pelo primogênito Flávio Bolsonaro, com a imagem já bem rachadinha. Certa vez, inquirido sobre o caso, o presidente disse ao repórter que ele tem "uma cara de homossexual terrível". Quando fica fora de si, o capitão mostra o que tem por dentro.
Bolsonaro vira do avesso, por exemplo, quando lhe perguntam sobre o repasse de R$ 24 mil que Fabrício Queiroz, o faz-tudo da família real, fez para a primeira-dama Michelle. Já declarou que o dinheiro é parte do pagamento de um empréstimo de R$ 40 mil que fizera ao ex-assessor de Flávio.
Instado a exibir os recibos, Bolsonaro perdeu as estribeiras: "Pergunta pra tua mãe o comprovante que ela deu pro teu pai."
O gesto da banana não é senão uma outra versão do célebre hábito de erguer o dedo médio para os desafetos. Equivale a um "vai se f...". Coisa irrealizável e incompatível.
De que imaginável maneira alguém poderia praticar a autofornicação, mesmo sendo contorcionista? De que modo alguém poderia considerar compatível com a função de presidente um sujeito que não consegue perceber que, por trás da faixa presidencial, deve haver uma noção qualquer de decoro?
Horas depois de repetir o gesto bananeiro em Brasília, Bolsonaro voltaria a se irritar numa entrevista concedida no Rio de Janeiro. Dessa vez, o assunto foi o miliciano Adriano Nóbrega. Passado nas armas em ação conjunta das polícias do Rio e da Bahia, o personagem traz a biografia encostada na família Bolsonaro.
Após silenciar por uma semana, Bolsonaro foi crivado de perguntas sobre o amigo tóxico, defendido por ele em discurso na Câmara e condecorado pelo filho Flávio Bolsonaro, na Assembleia Legislativa do Rio. O presidente disse ter determinado ao filho Zero Um que homenageasse o ex-capitão da PM fluminense. Alegou que, na época, o personagem era um herói da PM. Lorota.
No discurso que fez na Câmara, o agora presidente se queixava de uma condenação imposta a Adriano Nóbrega. Na homenagem de Flávio, o condecorado não teve como comparecer, pois encontrava-se preso.
Perguntou-se a Bolsonaro se partiu dele também a ordem para que seu primogênito empregasse no gabinete da Assembleia fluminense a mulher e a mãe do miliciano. Ambas permaneceram na folha da "rachadinha" até novembro de 2018. E o presidente, ameaçando encerrar a entrevista: "Vocês estão passando para o absurdo".
Ao lado do pai, Flávio assumiu o microfone: "Homenageei centenas e centenas de policiais militares e vou continuar defendendo, não adianta querer me vincular com a milícia, não tem absolutamente nada com milícia. Condecorei o Adriano há mais de 15 anos." E quanto à contratação da mulher e da mãe do miliciano?, quis saber uma repórter. Bolsonaro interveio: "Fica quieta, vai, deixa ele falar. Educação!"
A exposição ao contraditório é algo indissociável da Presidência da República, assim como a ignição instantânea é inseparável do DNA de Jair Bolsonaro. Cabe ao ex-deputado do baixíssimo clero adaptar-se ao cargo de presidente e à civilizada fricção imposta pelo convívio com os repórteres.
Ernesto Geisel, o último presidente forte da ditadura militar, dispunha de uma ferramenta que o eximia de dar explicações e entrevistas: o AI-5. Fernando Collor, o penúltimo presidente pós-redemocratização a confundir "aquilo roxo" com força, teve um final conhecido.
Bolsonaro ainda não notou, mas não será questionando a sexualidade, ofendendo a mãe ou distribuindo bananas aos repórteres que sedimentará a imagem de um líder confiável para os cerca de 70% de brasileiros que não o chamam de "mito". No jogo democrático, não há perguntas embaraçosas, só respostas constrangedoras. E Bolsonaro dá respostas inaceitáveis como a bananeira dá bananas, em cachos.
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