Bolsonaro substitui ronco do povo pelo medo da rua
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Jair Bolsonaro promoveu um ajuste na sua estratégia política. Havia planejado colocar o asfalto no encalço do Congresso. Diante do risco de esvaziamento da manifestação convocada para o próximo domingo, o presidente substituiu a incerteza do ronco do povo pela manipulação do medo que a elite política sente da rua.
Num pronunciamento transmitido em rede nacional de rádio e TV, Bolsonaro classificou de "espontâneos e legítimos" os atos marcados para 15 de março. Mas usou o coronavírus como pretexto para desmobilizar o movimento de cunho anticongressual: "Queremos um povo atuante e zeloso com a coisa pública, mas jamais podemos colocar em risco a saúde de nossa gente".
Pouco antes, numa transmissão ao vivo pelas redes sociais, Bolsonaro sugerira que a manifestação de domingo fosse apenas adiada "por um ou dois meses", não cancelada. Sob o comando do "mito", desmobilizou-se o ato de domingo.
"Já foi dado um tremendo recado ao Parlamento", declarou Bolsonaro. A frase não orna com os fatos. Fustigados, os parlamentares também emitem seus recados. São recados bilionários.
Na véspera, deputados e senadores explodiram no colo do presidente uma bomba de R$ 20 bilhões anuais. Verba destinada à ampliação da clientela de velhos miseráveis e de deficientes que recebem pensão mensal de um salário mínimo.
Como os cofres do Tesouro Nacional estão no osso, o ministro Paulo Guedes (Economia) informa que o governo recorrerá ao STF e ao TCU para tentar deter a irresponsabilidade fiscal. A lei proíbe a criação de gasto sem receita.
Permanece acesa, de resto, a guerra que Legislativo e Executivo travam para decidir quem dará as cartas na aplicação de R$ 30 bilhões do Orçamento da União para 2020. Daí a tentativa de Bolsonaro de manipular o medo da rua.
No pronunciamento de rede nacional, Bolsonaro soou a certa altura como se estivesse fora de si: "O momento é de união, serenidade e bom senso." Mas voltou ao normal na frase seguinte:
"Não podemos esquecer, no entanto, que o Brasil mudou. O povo está atento e exige de nós respeito à Constituição e zelo pelo dinheiro público. Por isso, as motivações da vontade popular continuam vivas e inabaláveis."
A manipulação do asfalto não é uma tática original. Ironicamente, costumava ser usada com exclusividade por Lula, o antagonista preferido de Bolsonaro.
Em 2015, quando pegava em lanças pela pemanência de Dilma Rousseff no Planalto, a divindade do PT apresentou-se como político defensor da paz e da democracia. Mas fez uma ressalva: "Também sabemos brigar, sobretudo quando o Stédile colocar o exército dele nas ruas."
A bravata, como se sabe, revelou-se um fiasco. Em vez do exército do chefão do MST, foi ao meio-fio uma classe média que entoava "Fora Dilma".
Quando a Lava Jato foi à jugular de Lula, coube à presidente do PT, Gleisi Hoffmann, o papel de porta-voz da reação: "Para prender o Lula, vai ter que prender muita gente. Mais do que isso, vai ter que matar gente." O pajé do petismo foi em cana. A única vítima fatal foi a reputação do preso.
Admita-se que um pedaço do asfalto se disponha a roncar por Bolsonaro dentro de um ou dois meses. Suponha-se que o ronco seja forte. Ainda assim, restará a impressão de que há no Planalto um presidente fraco, que tenta terceirizar às ruas, no início do segundo ano do seu mandato, a tarefa intransferível de governar.
No primeiro ano, Bolsonaro produziu a mediocridade de um pibinho de 1,1%. No final de 2020, se tudo o que o capitão tiver a apresentar contra a crise econômica e o desemprego for um lote de desculpas, o mesmo trecho de meio-fio que hoje cogita adulá-lo pode começar a rosnar.
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