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Josias de Souza

Estados isolam Bolsonaro e transformam Maia em interlocutor preferencial

 Agência Brasil .
Imagem: Agência Brasil .

Colunista do UOL

26/03/2020 04h17

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Em meio à pandemia do coronavírus, Jair Bolsonaro criou um pandemônio federativo. O presidente iniciara o expediente na segunda-feira manuseando uma agenda de três reuniões que serviriam para aproximá-lo dos governadores. Deu tudo errado. Bolsonaro chega ao final da semana num estado crônico de isolamento.

Em vez de se aproximar, os governadores tomaram distância do Planalto. E reforçaram seus laços com o presidente da Câmara, um desafeto da família Bolsonaro. "O Rodrigo Maia vai ser nosso interlocutor para conversar com os ministros", contou ao blog Renato Casagrande, governador do Espírito Santo.

Maia participou de videoconferência na qual 26 governadores concordaram em subscrever uma carta conjunta. Nela, empilharam um lote de reivindicações ao governo federal. E renovaram a exortação para que Bolsonaro "tenha serenidade e some forças" com Estados e municípios no combate ao coronavírus.

Os governadores decidiram dar de ombros para a pregação de Bolsonaro contra o isolamento social adotado em vários Estados. Reafirmaram a intenção de seguir as recomendações da medicina e da Organização Mundial da Saúde.

Preferiram redigir um texto isento de ataques. Por duas razões: 1) Queriam transmitir um comedimento que julgam faltar no linguajar de Bolsonaro; 2) Um timbre mais encrespado poderia melar a adesão de Estados como Acre, Roraima, Rondônia e Amazonas.

Em tempos de crise, a lógica aconselha que o presidente busque aliados e evite brigas. Deu-se, porém, o oposto. Além de se revelar incapaz de firmar novas alianças, Bolsonaro conseguiu distanciar-se de um dos seus mais fervorosos defensores.

O presidente empurrou o aliado Ronaldo Caiado, governador de Goiás, para a mesma trincheira onde se encontra o chefe do executivo paulista João Doria, um adversário político com quem Bolsonaro travou um bate-boca virtual nesta quarta-feira.

Curiosamente, o isolamento de Bolsonaro acentuou-se numa fase em que os governadores imaginavam que sua ficha tivesse caído.

O presidente realizara reuniões por videoconferência com governadores do Norte e do Nordeste. Depois, com os do Sul e do Centro-Oeste.

Essas duas conversas transcorreram sob atmosfera de rara harmonia. Nelas, os governadores engancharam pedidos novos em providências que o governo já havia anunciado.

Na noite de terça, véspera do encontro com os governadores do Sudeste, Bolsonaro promoveu algo muito parecido com um cavalo de pau. Em rede nacional de rádio e TV, o presidente desafiou a ciência.

Defendeu o fim do isolamento social —tática recomendada pela Organização Mundial Saúde e seguida por países do mundo inteiro, para tentar quebrar a cadeia de transmissão do coronavírus.

Médico, o goiano Caiado estranhou. Na conversa com os governadores do Centro-Oeste, Bolsonaro não fizera restrições à ação dos governadores que, como ele, determinaram o fechamento de grande parte do comércio.

Súbito, lá estava o presidente na TV, defendendo o fim do confinamento, a volta das crianças às escolas, a reabertura do comércio. Pior: voltou a menosprezar a pandemia. E acusou os governadores de parar a economia do país.

Entre a reunião de que participou Caiado e o pronunciamento da "gripezinha", Bolsonaro conversou com um grupo de conselheiros ideológicos. Entre eles o filho Carlos Bolsonaro.

O grupo de que faz parte o filho Zero Três do presidente é visto pelos generais que despacham no Planalto como personagens de mente baldia, nas quais o guru Olavo de Carvalho joga as teses radioativas que intoxicam a Presidência de Bolsonaro.

Num gesto calculado, o pronunciamento de Bolsonaro foi ao ar antes da videoconferência com os governadores do Sudeste. Nesse encontro, o presidemte sepultou a perspectiva de acerto com os governadores ao se engalfinhar com João Doria.

Durante o arranca-rabo, o general Hamilton Mourão, sentado ao lado, expressou sua contrariedade com o destempero de Bolsonaro sem dizer nenhuma palavra.

Com um ar de enfado, o vice-presidente olhou para baixo, movimentou a caneta e balançou a cabeça em sinal de reprovação. (repare no vídeo abaixo)

Mais tarde, Mourão faria, em entrevista, uma defesa enfática do isolamento social como estratégia para deter o coronavírus —o oposto do que afirmara Bolsonaro no pronunciamento da véspera.

"A posição do nosso governo, por enquanto, é uma só: isolamento e distanciamento social. Isso está sendo discutido e ontem o presidente buscou colocar. E pode ser que ele tenha se expressado de uma forma, digamos assim, que não foi a melhor", disse o general.

Mourão se autoconverteu em tradutor de Bolsonaro: "O que ele buscou colocar é a preocupação que todos nós temos com a segunda onda, como se chama, nesta questão do coronavírus. Nós temos uma primeira onda, que é a saúde, e temos uma segunda onda, que é a questão econômica."

Os governadores passaram a quarta-feira especulando sobre as razões que levaram Bolsonaro a dar ouvidos aos conselheiros que, mesmo em tempos de crise, preferem ver o sangue dos adversários a promover a pacificação.

Duas teses sobressaíram nas conversas. Numa, menos plausível, Bolsonaro estaria escondendo um teste positivo para o coronavírus. E desejaria criar uma crise capaz de desviar o foco.

Noutra versão, mais lógica, o presidente tenta imunizar-se politicamente contra a recessão profunda que está por vir. Ele atribuiria a ruína ao isolamento social e ao fechamento do comércio decretado pelos governadores.

Na avaliação dos governadores, Bolsonaro busca uma vacina improvável contra um desgaste inevitável.

Disseminou-se entre os executivos estaduais a impressão de que Bolsonaro grudou na sua biografia a pecha de governante que coloca a vida dos governados em segundo plano.

Imaginam que o presidente pagará um preço político pela demora em colocar em pé um plano de contingência consistente. De resto, sustentam que, no presidencialismo, o rosto da crise é a face do presidente. E Bolsonaro não consegue exibir a imagem de tranquilidade que a crise requer.