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Josias de Souza

Prefeito de Manaus: 'Bolsonaro é aliado do vírus'

Reprodução/Twitter/@Arthurvneto
Imagem: Reprodução/Twitter/@Arthurvneto

Colunista do UOL

12/04/2020 04h12

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"O presidente Bolsonaro é, hoje, o principal aliado do vírus", declarou à coluna o prefeito de Manaus, Arthur Virgílio (PSDB). Ele responsabiliza Jair Bolsonaro pelo avanço do coronavírus na capital do Amazonas. Afirmou que a adesão ao isolamento social chegou a superar a marca dos 70% na cidade. Mas caiu para pouco mais de 50% "depois que o presidente começou a sair sucessivamente às ruas, numa campanha contra o isolamento."

Segundo Virgílio, "o SUS colapsou" em Manaus. "E os hospitais particulares também estão bastante exauridos". A prefeitura improvisa a toque de caixa um hospital de campanha numa escola. O avanço do vírus levou o prefeito a sugerir ao governador do Amazonas, Wilson Miranda (PSC), que o isolamento social seja convertido em quarentena, com o uso de força policial para manter as ruas vazias.

"Estamos numa situação de guerra", declarou Virgílio. "É uma guerra atípica. O adversário não é visto. Mas é muito forte e atua com vigor." O prefeito lamenta que o presidente da República menospreze o vírus. "Às vezes me dá até a impressão de que o Bolsonaro já deve ter tido, levemente, a doença. Está imunizado. E pode andar por onde quiser. Ele se esquece de que as pessoas que ele cumprimenta não estão imunizadas."

Para Virgílio, Bolsonaro não enxerga os riscos que estão à sua volta. O prefeito indagou: "Se vem uma recessão, seguida de uma depressão econômica, será que haverá condições políticas e congressuais para Bolsonaro permanecer? Ele provoca todo mundo, não conta com a solidariedade de partido nenhum. Consegue brigar até com os amigos." Vai abaixo a entrevista:

— O sistema hospitalar de Manaus já entrou em colapso? Eu diria que o SUS colapsou. E os hospitais particulares também estão bastante exauridos.

— A prefeitura administra hospitais? Nós temos as unidades básicas de saúde. Em entendimento com o Estado, começaremos a fazer a triagem para identificar as pessoas que não apresentam os sintomas do coronavírus. Serão encaminhadas para essas unidades de assistência básica. Com isso, não subirão para o Hospital Delphina Aziz, que é a referência no Estado para tratamento do corona. Estamos fazendo também, em dez dias, um hospital de campanha numa escola que tem 24 salas de aula. Teremos 144 leitos, mais 27 UTIs.

— Quem vai gerir esse hospital de campanha? Estabelecemos um vínculo com um grupo hospitalar daqui. Chama-se Grupo Samel. Tem bons resultados no enfrentamento à covid-19. Abrimos à contribuição pública de quem queira doar. Faremos prestação de contas diária. Esse grupo administrará. A prefeitura terá que arcar com uma parte da conta. Estamos pedindo inscrição no SUS. Esperamos inaugurar os primeiros 50 leitos no início da próxima semana.

— Esperava que o coronavírus avançasse tão dramaticamente em Manaus? O pico da crise estava previsto. Desde o começo nos foi dito claramente pelo ministro Henrique Mandetta e pela equipe dele. Então, não nos surpreende a ideia de que um dia iríamos passar por isso. Também não nos surpreende que a Secretaria de Saúde do Estado estivesse tão desarrumada. Sucessivos governos foram, aos poucos, dilapidando o patrimônio técnico, científico, operacional e financeiro dessa secretaria tão importante. O que nos surpreende são outros fatos.

— Que fatos? O que é extremamente surpreendente nesta crise é o comportamento do presidente Bolsonaro. Ninguém imaginou que o presidente fosse desafiar o coronavírus. Às vezes me dá até a impressão de que o Bolsonaro já deve ter tido levemente a doença. Está imunizado e pode andar por onde quiser. Ele se esquece de que as pessoas que ele cumprimenta não estão imunizadas. Como ele tem influência no país, é sem dúvida um líder político, causa um grande espanto.

— O que considera espantoso? As convocações que o presidente faz para as pessoas saírem do isolamento fortalecem o vírus, enfraquecem Manaus. O presidente Bolsonaro é, hoje, o principal aliado do vírus. Todos os que pensavam como ele no mundo mudaram de ideia. Líderes como Boris Johnson e Donald Trump voltaram atrás e se recolocaram na posição correta, reconhecendo a gravidade da pandemia. Bolsonaro insiste no erro. Ele poderia ter retroagido. Deveria ter sido mais humilde. Poderia pedir desculpas. Poderia ter feito qualquer coisa, menos insistir numa tese que já não é defendida por nenhum dirigente de país da importância do Brasil para cima.

— Acha que Bolsonaro ainda pode voltar atrás? Infelizmente, não vejo essa disposição. Dias atrás, numa de suas saídas à rua, o presidente Bolsonaro disse que ninguém irá tolher o seu direito de ir e vir. Ora, quem está cerceando inconstitucionalmente esse direito é o vírus. Estou trabalhando por videoconferência. Neste domingo de Páscoa, meus quatro netos não estarão comigo. O meu direito de ir e vir está cerceado. Não é razoável que o presidente adote um comportamento que contradiz o seu próprio governo.

— Qual é a contradição? Quando o governador Wilson Miranda e eu pedimos que o povo não fosse às ruas, houve enorme calmaria. O povo parou de ir às ruas. Continuaram saindo as pessoas essenciais para manter funcionando a cidade. Foram às ruas apenas aqueles que tinham que ir. As outras pessoas ficaram em casa. O ministro Paulo Guedes [Economia] tomou medidas para reforçar o isolamento. Essas medidas precisam ser agilizadas. Mas vão na linha certa. Há transferência de recursos para as pessoas mais necessitadas ficarem em casa. Foram abertos créditos para micro e pequenas empresas manterem seus trabalhadores. Há um esforço significativo. Esse esforço tem dois objetivos: evitar aumento do desemprego e impedir que cresça o desespero das pessoas que estão desprotegidas numa hora dessas. Aí vem o presidente e diz que todo mundo tem que ir para a rua.

— Há uma relação entre as manifestações do presidente e o agravamento da crise sanitária em Manaus? Sem dúvida essa relação existe. Nós estávamos com uma adesão superior a 70% ao isolamento horizontal. As pessoas estavam recolhidas às suas casas. Havia uma enorme calmaria. Quando o presidente Bolsonaro se contrapôs a isso, as pessoas começaram a tentar enxergar alguma lógica na posição dele. Muitos voltaram às ruas. E a adesão caiu para pouco mais de 50%. Hoje, as pessoas estão insistentemente fora de casa. A situação ficou pior depois que o presidente começou a sair sucessivamente às ruas, numa campanha contra o isolamento. Ele não usa máscara, cumprimenta as pessoas, promove aglomerações. Faz tudo o que o ministro Mandetta afirma, em sucessivas horas de entrevistas, que não se deve fazer. Neste sábado, o presidente foi à cidade de Águas Lindas, em Goiás. A pretexto de visitar um hospital, fez um discurso de 30 segundos —se tanto. Depois, retirou a máscara e saiu cumprimentando as pessoas que se aglomeraram. Não é hora de visitar obras.

— A prefeitura de Manaus e o governo do Amazonas cogitam adotar medidas mais draconianas para elevar o nível do isolamento social? Estamos analisando isso. Baixei um decreto que me autoriza a cassar o alvará de empresas não essenciais ao funcionamento da cidade que insistem em ficar abertas. E estamos pensando numa quarentena de fato. Estou propondo isso ao governador. Espero que ele se encoraje a fazer.

Isso implicaria no uso de força policial para assegurar o isolamento? Sim, essa é a minha ideia. Por isso a necessidade da parceria com o governador. Espero que ele aceite. Tenho dito a ele que nós temos duas alternativas diante dessa crise. Podemos optar pelo modelo desastroso ou pelo antipático. O desastroso seria empurrar o problema com a barriga, fingindo que não está vendo o que ocorre. Isso se aplica aos que querem abrir tudo, como se isso fosse produzir o milagre do crescimento econômico. O antipático é desagradável por um certo período. Mas depois passa, porque as pessoas vão perceber que a gente evitou um número maior de mortes. Tenho a impressão de que o governador será sensível a isso. Pedi à minha assessoria jurídica para verificar todas as providências que cabem a mim, como prefeito, e as que cabem ao governador. Veremos também quais são as medidas que podem ser adotadas conjuntamente pelos dois. Precisamos elevar o nível de adesão das pessoas ao isolamento.

Não receia ser criticado por recorrer à coerção policial? Estamos numa situação de guerra. É uma guerra atípica. O adversário não é visto. Mas é muito forte e atua com vigor. E mais: a Organização Mundial da Saúde já nos avisa que, se não derrotarmos esse adversário, ele poderá se recolher por uns anos e voltar reciclado e imbatível. Não quero deixar essa herança para os meus filhos e netos. É uma coisa dura. Mas necessária.

— Como responder ao argumento do presidente de que é preciso retomar a atividade econômica? O presidente desenhou uma equação econômica bisonha: quanto mais pessoas isoladas nós tivermos maior será o desemprego e a penúria. Mas é para atenuar esse risco que estão vindo as medidas compensatórias adotadas pelo ministro Paulo Guedes. Alega-se que quanto mais gente tivermos nas ruas mais rapidamente retomaremos o crescimento econômico. Isso é falso. Estamos há muitos anos patinando. Já não tínhamos crescimento antes do vírus. Estávamos empacados no nível de 1%. Costumo realçar o contrário: quanto mais nós aguentarmos o isolamento mais rapidamente nós deteremos o avanço do vírus. Mais vidas nós salvaremos. E mais mão de obra saudável nós teremos para lutar por um crescimento econômico verdadeiro.

O que mais surpreende nas atitudes do presidente? Tudo é muito surpreendente. Ele nomeou o Mandetta para a Saúde. Aprovou as deliberações do Mandetta. O ministro revelou-se bastante operacional na crise. Ficou popular. De repente, surgem as diatribes presidenciais. Por ciúmes, o presidente começa a desmerecer o Mandetta. Ele deveria assumir o papel de chefe do Mandetta, capitalizando os méritos do seu ministro. Do modo como estão as coisas, não sei até onde o ministro resistirá.

Conviveu com Bolsonaro no Congresso? Convivi com ele na Câmara, antes de ir para o Senado. Nunca tive afinidade com ele. Aliás, nunca precisei dele para exercer as funções de liderança que exerci. Ele não era uma pessoa que tivesse peso parlamentar. Era cordial quando se dirigia a mim. Mas tinha uma pauta de defesa da ditadura e da tortura. Jamais poderia supor que ele virasse presidente da República. Não parece ter noção da dimensão do cargo.

Por quê? Perde uma oportunidade de unir o país. Ele se comporta como se imaginasse que a corda sempre vai arrebentar nas costas dos outros. Ele não enxerga os riscos que estão à sua volta. Se vem uma recessão, seguida de uma depressão econômica, será que haverá condições políticas e congressuais para Bolsonaro permanecer? Ele provoca todo mundo, não conta com a solidariedade de partido nenhum. Consegue brigar até com os amigos.