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Josias de Souza

Antecipação de depoimento de Moro blinda investigações contra Bolsonaro

Eduardo Matysiak/Futuro Press/Estadão Conteúdo
Imagem: Eduardo Matysiak/Futuro Press/Estadão Conteúdo

Colunista do UOL

03/05/2020 04h56

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Ao determinar que o depoimento de Sergio Moro fosse realizado a toque de caixa, o ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal, blindou o inquérito que apura se Jair Bolsonaro tramou interferir politicamente em investigações da Polícia Federal. A blindagem funcionou. O ex-ministro da Justiça foi ouvido neste sábado, antes que Bolsonaro tivesse tempo para promover qualquer mudança na estrutura da Polícia Federal.

Celso de Mello encurtou de 60 dias para apenas cinco dias o prazo que concedera para a realização da oitiva de Moro. A PF adiantou ainda mais o relógio. Embora o novo prazo expirasse apenas na terça-feira, decidiu ouvir Moro e recolher as provas de que o ex-ministro dispunha em pleno final de semana. Assim, a investigação foi deflagrada pela equipe montada na gestão do próprio Moro por Maurício Valeixo, exonerado por Bolsonaro do comando da PF.

Bolsonaro irritou-se com a pressa de Celso de Mello. Em privado, o presidente disse que a Justiça só é rápida quando age contra ele. Dois de seus auxiliares —um deles militar— espantaram-se com outra coisa: a duração do depoimento de Moro. Autoconvertido numa espécie de delator, o ex-ministro permaneceu por mais de oito horas na sede da PF em Curitiba.

A agilidade de Celso de Mello, a rapidez da PF e a morosidade do depoimento são três velocidades que conspiram contra os interesses de Bolsonaro. Ou, por outra, criam um ambiente favorável ao avanço de uma investigação que, no limite, ameaça o mandato do atual inquilino do Planalto. O tamanho do risco depende da consistência do depoimento e das provas fornecidas por Moro. A oitiva do acusador, integralmente gravada, permanece em sigilo.

Para desassossego de Bolsonaro, o inquérito foi deflagrado na gestão interina do delegado Disney Rosseti, o número 2 do exonerado Maurício Valeixo. Ele permaneceu no comando depois que o ministro Alexandre Moraes, do Supremo, impediu que fosse nomeado para o lugar de Valeixo o delegado Alexandre Ramagem, atual chefe da Abin e amigo da família Bolsonaro.

O depoimento de Moro foi presidido pela delegada Christiane Correa Machado. Ela chefia o Serviço de Inquéritos Especiais, responsável pelos inquéritos que correm no Supremo —entre eles a investigação sobre produção e difusão de fake news, que roça nos filhos do presidente, sobretudo Carlos Bolsonaro. O relator desse inquérito é Alexandre de Moraes.

Acompanhou também o depoimento de Moro o diretor de investigação e combate ao crime organizado da PF, Igor Romário de Paula. Trata-se de outro sobrevivente da gestão Valeixo. É um velho conhecido de Moro. Comandou as investigações da Lava Jato no Paraná na época em que o ex-ministro dava expediente como juiz da 13ª Vara Federal de Curitiba. De resto, estiveram na sala onde Moro foi interrogado três procuradores enviados de Brasília pelo procurador-geral da República Augusto Aras.

Datado da última quinta-feira, o despacho de Celso de Mello que apressou o passo da investigação foi escorado no pedido de três parlamentares: o senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) e os deputados Felipe Rigoni (PSB-ES) e Tabata Amaral (PDT-SP). Eles sustentaram que o prazo elástico poderia colocar em risco a produção de provas. O argumento foi acatado.

Celso de Mello tem uma razão adicional para pressa. Ele se aposenta em 1º de novembro. Ironicamente, caberá a Bolsonaro indicar o substituto. Em condições normais, o escolhido do presidente herdaria os processos relatados pelo antecessor. Entretanto, espraia-se entre os ministros do Supremo o entendimento segundo o qual será necessário deslocar o inquérito para outro gabinete caso a apuração se arraste até novembro.

A partir do depoimento de Sergio Moro, a PF deve requisitar ao Supremo a realização de diligências e de novos depoimentos. Receia-se no Planalto que Moro tenha mencionado o nome de auxiliares diretos de Bolsonaro. Pessoas que testemunharam as tentativas do presidente de interferir politicamente no trabalho da Polícia Federal. Nessa hipótese, os citados terão de decidir entre a lealdade ao chefe e o endosso a eventuais revelações de Moro.