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Josias de Souza

Armistício entre Bolsonaro e governadores é precário

Colunista do UOL

21/05/2020 15h07

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O presidente da República e os 27 governadores conseguiram realizar uma videoconferência sem nenhum bate-boca. Testemunha da conversa, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre, referiu-se à novidade como "um momento histórico". A esse ponto chegamos. Um encontro que deveria ser banal ganhou ares de feito memorável. A má notícia é que a trégua é precária. O cheiro de enxofre permanece no ar. Na guerra sanitária, Jair Bolsonaro e os governadores continuam em trincheiras opostas, favorecendo o avanço do coronavírus.

O que houve nesta quinta-feira foi uma harmonização artificial de interesses. Bolsonaro precisava sancionar a lei que prevê um socorro de R$ 60 bilhões da União para estados e municípios. E queria compartilhar com alguém o ônus do veto que tem de impor ao trecho do projeto que concede reajuste salarial a várias categorias de servidores. Com os cofres avariados pela pandemia, os governadores precisam de dinheiro. Vem daí o frágil armistício.

O projeto será sancionado com o veto, como deseja o ministro Paulo Guedes (Economia). A primeira parcela do socorro deve sair até 31 de maio, como querem os governadores. Servidores federais, estaduais e municipais ficarão sem reajustes salariais até o final de 2021. Isso deve proporcionar uma economia ao Estado de R$ 130 bilhões. Sem o veto, várias categorias escapariam do congelamento. E a perspectiva de poupança cairia para R$ 43 bilhões.

Deve-se a precariedade do entendimento à montagem de uma pauta artificial. Graças a uma costura na qual o ministro da Economia fez as vezes de articulador político, excluíram-se da conversa todos os temas que compõem o contencioso. Nada sobre a dicotomia entre o isolamento social adotado nos estados e a defesa que Bolsonaro faz da reativação das fornalhas da economia. Nenhuma menção à cloroquina, o medicamento que o presidente trata como poção mágica e que os governadores não se dispõem a adotar como panaceia.

A despeito da conciliação momentânea, as línguas permanecem engatilhadas. Os paióis continuam repletos. A retomada do exacerbamento retórico é uma questão de tempo. Não há no horizonte a mais remota possibilidade de Bolsonaro assumir a coordenação da crise sanitária, firmando com os governadores uma aliança tática para estabelecer uma política uniforme de combate à pandemia. O que há de histórico na conjuntura atual não é a videoconferência desta quinta-feira, mas a incapacidade dos atores de entender que a guerra da federação favorece o vírus.