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Josias de Souza

Eleição foi adiada mediante chantagem: R$ 5 bi

                                MARCOS SANTOS/USP IMAGENS
Imagem: MARCOS SANTOS/USP IMAGENS

Colunista do UOL

02/07/2020 04h05

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Numa votação em que o centrão exigiu R$ 5 bilhões em verbas do Tesouro para aprovar o adiamento sanitário das eleições municipais e todos chamaram a chantagem de articulação política, são demasiados os desaforos que estão sendo praticados contra a semântica e os bons costumes.

Chamar de articulação política a chantagem é o mesmo que chamar de vovozinha o lobo mau. O problema é que rebatizar de vovozinha o lobo não diminui o tamanho do apetite do bicho. Do mesmo modo, apelidar de articulação a chantagem não reduz a indecência dos chantagistas.

Aprovada no Senado, a emenda constitucional que adiou as eleições de 4 de outubro para 15 de novembro emperrara na Câmara. A troca de datas foi ditada, por assim dizer, pelo coronavírus. Mas partidos como PP, PL, MDB e Republicanos condicionaram o zelo com a saúde do eleitor à liberação de verbas.

A turma do centrão exigiu que as arcas das prefeituras fossem irrigadas com R$ 5 bilhões. Para garantir os repasses, será prorrogada a vigência da medida provisória que reservara R$ 16 bilhões para repor durante a pandemia perdas com a arrecadação de fundos de participação de municípios e estados.

O socorro valeria de março a junho. Com o aval de Jair Bolsonaro e Paulo Guedes, será esticado até dezembro. Alega-se que os R$ 16 bilhões não foram integralmente gastos. Assim, a verba extra já estaria incluída na conta. Conversa mole de quem confunde déficit público com dinheiro grátis.

Depois que extorsão virou sinônimo de articulação, todo brasileiro ficou desobrigado de fazer sentido. No tempo em que o Brasil ainda tentava respeitar a semântica, os valores pareciam mais nítidos.

O centrão tinha orelhas de lobo, focinho de lobo, dentes de lobo... E ninguém pedia à plateia que acreditasse estar diante de uma vovozinha disfarçada.

Falta à conjuntura atual o discernimento de uma criança que, estalando de ingenuidade, se anime a lançar no ar uma pergunta singela: "Por que essa boca tão grande?"