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Josias de Souza

Bolsonaro trata Waterloo do Fundeb como vitória

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Imagem: Reprodução

Colunista do UOL

23/07/2020 05h38

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"Alguém quer saber sobre Fundeb aí?", indagou Jair Bolsonaro às margens do espelho d'água do Alvorada. Postados na borda oposta, os devotos do mito tinham várias demandas. Mas ninguém, exceto Bolsonaro, parecia interessado em conversar sobre o fundo de financiamento da educação básica, que a Câmara aperfeiçoara na véspera. "O governo conseguiu ontem mais uma vitória, aprovamos o Fundeb", ele insistiu. "O Senado deve seguir o mesmo caminho."

Para sorte de Bolsonaro, seus adoradores não estavam informados sobre a surra que o governo levara no plenário da Câmara. Do contrário, poderiam imaginar que o vírus lhe tivesse subido à cabeça.

"Uma negociação que levou anos", disse o confinado aos visitantes. De fato, a discussão sobre o Fundeb arrastava-se desde 2015. Intensificara-se no ano passado, no alvorecer da gestão Bolsonaro. Durante um ano e meio, o governo tratou o debate como parte da guerra ideológica que instalou na Educação.

A certa altura, Bolsonaro soou como uma espécie de anti-Napoleão, um imperador se descoroando: "Foi uma votação quase unânime." Ele se queixava desde cedo de ter sido chamado de "derrotado" pela "maldita imprensa".

Bolsonaro esticou a prosa: "Seis ou sete votaram contra." Absteve-se de mencionar que os gatos pingados que se opuseram ao aperfeiçoamento do Fundeb na votação da Câmara são justamente os bolsonaristas mais fieis.

"Se votaram contra devem ter seus motivos", afirmou o capitão, antes de condenar os proto-bolsonaristas a um inusitado isolamento social: "Precisa perguntar pra eles por que votaram contra. Alguns dizem que a minha bancada votou contra. A minha bancada não tem seis ou sete. A minha bancada é bem maior do que isso daí."

A deputada Bia Kicis (PSL-DF), uma das vozes ultra-bolsonaristas que votaram contra a emenda constitucional que vitaminou o Fundeb, foi destituída do posto de vice-líder do governo na Câmara. Não é a primeira destituição. Não será a última.

Bolsonaro vem renovando seu quadro de vice-líderes. Troca aliados de primeira hora por soldados do centrão, tratados como heróis da resistência. Na votação do Fundeb, o deputado Arthur Lira (PP-AL), principal voz do centrão e novo líder informal do governo, tentou adiar a sessão. Foi ignorado pelos próprios pares.

Ficou entendido que a bancada fisiológica pró-Bolsonaro, embora seja potencialmente "bem maior do que isso daí", está acorrentada aos interesses do Planalto por grilhões de barbante.

"A verdade vos libertará", anota o versículo preferido do capitão, extraído do evangelho de João. "A esquerda não engole mais uma derrota", disse Bolsonaro na encenação do Alvorada, vinculando-se a uma mentira.

A emenda constitucional aprovada pela Câmara tornou o Fundeb permanente, elevando de 10% para 23% a fatia da União no fundo. O governo tentou adiar para 2022 a vigência das novas regras. Foi derrotado. Quis transferir 5% do fundo para um novo Bolsa Família, em fase de gestação. Não colou.

Pleiteou a destinação de 5% do fundo turbinado para o ensino infantil. Para conseguir, teve de pagar um pedágio, elevando de 20% para 23% a fatia da União no novo Fundeb. Propôs que a verba do salário dos professores fosse desviada para o pagamento de aposentadorias. Foi ignorado.

"Eu queria dar 200%, mas não tem dinheiro", afirmou o anti-Napoleão do Alvorada. "Então, foi negociado. Passou para 23%, de comum acordo. (...) O PT passou 14 anos no poder e não fez nada..."

A ficha de Bolsonaro demora a cair. Mas a lição a ser extraída pelo presidente da votação que revitalizou o Fundeb é a seguinte: a maneira mais rápida de acabar com a guerra ideológica na Educação é perdê-la.

Juntaram-se no plenário da Câmara para derrotar o governo: o presidente da Casa, Rodrigo Maia, os neo-aliados do centrão e toda a oposição. Ao tentar converter em vitória uma derrota tão acachapante, Bolsonaro transformou os jardins do Alvorada numa Waterloo de hospício, ornamentada por emas.