Sob Jair Bolsonaro, Itamaraty dá voto na Flórida
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Na campanha de 2018, Bolsonaro prometera relações internacionais "sem viés ideológico". Pouca gente deu atenção. Natural. Continua valendo no Brasil a lição verbalizada por Ulysses Guimarães no século passado: "O Itamaraty só dá voto no Burundi." Houve, porém, uma atualização. Agora, espera-se que a política externa brasileira renda votos também na Flórida.
Em visita relâmpago à cidade de Boa Vista, o secretário de Estado americano Mike Pompeu trouxe para o Brasil a campanha à reeleição de Donald Trump. Ao lado do chanceler brasileiro Ernesto Araújo, Pompeo visitou o centro de acolhida de refugiados venezuelanos. Queria ver e, sobretudo, ser visto. Disse que o ditador Nicolás Maduro destrói a Venezuela.
Pompeo exibiu sua melhor pose não para os repórteres, mas para a equipe de campanha de Trump. Whashington não invadirá Caracas. Deseja apenas afagar o eleitorado latino da Flórida. Compreensível. Numa disputa presidencial renhida como a que se desenrola nos Estados Unidos, pode fazer diferença. O que não se compreende é o papel que o governo Bolsonaro impõe ao Brasil.
A diplomacia "sem viés ideológico" do bolsonarismo revelou-se tão enviesada quanto a política externa do petismo, só que com o sinal trocado. Na prática, Bolsonaro mantém com Trump um relacionamento que segue o modelo Lula-Chávez. Ou Dilma-Maduro. Nesse tipo de diplomacia acrítica, seja qual for o viés, o interesse nacional costuma ser a primeira vítima.
A crise na Venezuela evoluiu há tempos do estágio do inaceitável para a fase do insuportável. O petismo assiste a tudo em silêncio. Esquece que deve explicações. Bolsonaro faz barulho sem se dar conta de que empurra o Brasil para a posição de gigante regional que abdica de sua relevância para se tornar um asterisco diplomático a serviço das conveniências de Trump.
O petismo levou a Odebrecht para a Venezuela com dinheiro do BNDES. A aventura resultou em corrupção e calote. O bancão brasileiro teve de lançar no seu balanço de 2018 perdas de R$ 4,4 bilhões referentes a débitos não honrados por Venezuela e Cuba. Na outra ponta, as adminsitrações petistas cultivaram um relacionamento hostil com Washington.
Bolsonaro acha que mantém com Trump uma relação de amor. Deveria considerar a hipótese de acionar a Lei Maria da Penha, pois leva um golpe atrás do outro. Dias atrás, o presidente americano impôs ao Brasil uma redução na cota de exportação de aço brasileiro. Planalto e Itamaraty não deram um pio. E ainda brindaram a Casa Branca com a manutenção da isenção de tarifa para o etanol americano.
Quer dizer: Trump fez média com seu eleitorado ao pegar em lanças pelos produtores americanos de milho, matéria-prima para o etanol. E Bolsonaro deu uma banana para as usinas brasileiras de cana. Trouxe-lhes mais concorrência para o etanol. E ainda não obteve contrapartida para o açúcar brasileiro, que continua arrostando tarifas salgadas nos Estados Unidos.
A conversão de Roraima numa extensão da Flórida deu à submissão do governo Bolsonaro ares de patologia. Todo brasileiro sensato deve desejar que Maduro se estrepe e que a democracia volte a vigorar na Venezuela. Mas a terceirização do Itamaraty à Casa Branca é um vexame que não faz jus à tradição da diplomacia brasileira.
O bom senso recomenda que o Brasil mantenha boas relações com os Estados Unidos, não com Trump. Ao contaminar a política externa com uma visão ideológica e personalista, Bolsonaro abandona princípios seculares como o de não intervenção em assuntos domésticos de outros países e de independência nacional. Além de não remover a ditadura venezuelana, impõe riscos desnecessários ao país.
Se os votos do Itamaraty na Flórida forem insuficientes para reeleger Trump, o Brasil perderá um aliado hipotético. E a diplomacia nacional terá de suar seus punhos de renda para evitar que Joe Biden se torne um pesadelo.
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