Moro agora vê o mito como 'criatura do pântano'
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Sergio Moro migrou do pró-bolsonarismo inocente para o antibolsonarismo primário. Na primeira posição, o ex-juiz da Lava Jato aceitou todas as presunções de Bolsonaro a seu próprio respeito, inclusive a de que seria um protótipo dos bons costumes. No segundo papel, o ex-ministro da Justiça simula espanto com a perversão do ex-chefe sem se dar conta de que flerta com o ridículo.
Num dia em que a hashtag #JairCalheirosBolsonaro escalou o rol das mais citadas do Twitter, o presidente da República declarou, em solenidade no Planalto: "É um orgulho, uma satisfação que eu tenho, dizer a essa imprensa maravilhosa nossa que eu não quero acabar com a Lava Jato. Eu acabei com a Lava Jato, porque não tem mais corrupção no governo."
Horas depois, o ex-símbolo da República de Curitiba plugou-se à internet para postar uma resposta no Twitter. Sem citar Bolsonaro, anotou: As tentativas de acabar com a Lava Jato representam a volta da corrupção. É o triunfo da velha política e dos esquemas que destroem o Brasil e fragilizam a economia e a democracia. Esse filme é conhecido. Valerá a pena se transformar em uma criatura do pântano pelo poder?"
Moro não chegou a soar original. Apenas ecoou o ex-colega Paulo Guedes, que costuma definir o Estado brasileiro como um lugar "onde piratas privados, burocratas corruptos e criaturas do pântano político se associaram contra o povo brasileiro." A apropriação não é casual. Foi Guedes quem procurou Moro, em 2018, para sondar o seu interesse em assumir o Ministério da Justiça.
Em dezembro de 2018, dias antes de se acomodar na cadeira de ministro, Moro viu o caso da rachadinha chegar ao noticiário. Assistiu ao esforço de Bolsonaro, ainda como presidente eleito, para explicar um depósito de R$ 24 mil feito pelo faz-tudo Fabrício Queiroz na conta de sua mulher. Alegou que o dinheiro tinha relação com uma dívida de R$ 40 mil de Queiroz com ele. Não exibiu documentos.
Nessa mesma época, Flávio Bolsonaro veio à ribalta para declarar que havia conversado com seu operador de rachadinha. Dera-se por satisfeito: "Ele me relatou uma história bastante plausível e me garantiu que não há nenhuma ilegalidade." O filho Zero Um do presidente recusou-se a reproduzir para os jornalistas o enredo "plausível". Ficou no ar a impressão de que a história de Queiroz era uma fábula, do tipo que começa assim: "Era uma vez..."
A despeito do cheiro de enxofre, Moro manteve inalterado o plano de trocar 22 anos de magistratura pelo cargo de ministro da Justiça. Ralou um longo processo de desmoralização. Saiu do governo chutando a porta e denunciando uma trama de Bolsonaro para converter a Polícia Federal num aparelho de proteção da primeira-família e dos seus amigos.
Moro demorou um ano e quatro meses para perceber que Bolsonaro era Bolsonaro. Hoje, os depósitos da família Queiroz na conta da primeira-dama Michelle já somam R$ 89 mil. E nada de explicação.
Não é a hipocrisia de Bolsonaro e o seu sucesso entre os pró-bolsonaristas ingênuos que espantam. A hipocrisia pelo menos é uma perversão planejada. No caso de Bolsonaro, o disfarce ético era armadilha para capturar a indignação nacional contra a corrupção. O que assusta mesmo é a impressão de que os adoradores do personagem não estão sendo cínicos.
Espanta ainda mais que Sergio Moro não perceba o ridículo a que se expõe ao potencializar a suspeita de que, por algum tempo, embarcou na caravana dos que acreditam mesmo que a missão especial de Bolsonaro na Terra lhe concede uma isenção tácita para exercer o ineditismo de ser sistema e antissistema ao mesmo tempo. É no mínimo constrangedor que, depois de enviar para cadeia o pedaço apodrecido do status, Moro tenha se aliado ao quo.
O risco da pessoa que se engalfinha com uma criatura do pântano depois de viver com ela no brejo é a plateia não conseguir distinguir quem é quem.
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