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Josias de Souza

Elogio de Mourão a torturador envergonha o país

Adriano Machado/Reuters
Imagem: Adriano Machado/Reuters

Colunista do UOL

09/10/2020 19h25

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Ao elogiar o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra numa entrevista à Deutsche Welle, o vice-presidente Hamilton Mourão envergonhou o Brasil no estrangeiro e constrangeu o brasileiro dentro do seu país. A fala é vergonhosa porque estrangeiros esclarecidos, como o entrevistador que ouviu Mourão, sabem que o militar elogiado por ele é uma espécie de símbolo da tortura no Brasil. A declaração é constrangedora porque a chapa eleita em 2018 como uma opção à esquerda larápia representada pelo PT se esforça para demonstrar ao eleitorado do seu país que não é conservadora, mas atrasada, arcaica.

A dupla Bolsonaro-Mourão prevaleceu na sucessão passada porque 57 milhões de brasileiros quiseram dar uma guinada à direita. Beleza. Um dos princípios mais belos da democracia é a alternância no poder. O problema é que, sempre que falam sobre o período militar, o presidente e o vice agem como se cuspissem no prato em que comeram para chegar ao poder. Bolsonaro e Mourão negam a própria existência da ditadura. Tratam Brilhante Ustra como herói nacional.

Estava entendido que a chapa vencedora em 2018 levaria o governo para a direita. Mas é improvável que todos os 57 milhões de eleitores que votaram na dupla avalizem a tentativa de dar uma marcha à ré na história. "Ustra era homem de honra que respeitava os direitos humanos dos seus subordinados", disse Mourão. Ora, não há honra na tortura.

Em 2013, arrastado a contragosto para um depoimento na Comissão da Verdade, o coronel Ustra disse aos membros do colegiado: "Quem deveria estar aqui é o Exército brasileiro, não eu". Ustra nunca foi repreendido em sua carreira militar. Isso é uma parte da história com a qual o Exército tem que lidar. O que não parece razoável é que Mourão queira acrescentar ao constrangimento uma dose de desfaçatez.

Mourão declarou que é preciso "esperar que a história faça a sua parte." Enquanto espera, o o vice-presidente do Brasil deveria cogitar a hipótese de fazer imediatamente a sua parte. Se, como general, admira o torturador, convém confessar sua idolatria apenas para o espelho.