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Josias de Souza

Relatório paralelo expõe debilidades de Kassio

                                DIVULGAçãO
Imagem: DIVULGAçãO

Colunista do UOL

21/10/2020 02h32

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Ao sabatinar Kassio Marques nesta quarta-feira, os membros da Comissão de Constituição e Justiça do Senado serão submetidos a dois relatórios. Num, o relator oficial, senador Eduardo Braga, enaltece o indicado de Jair Bolsonaro para a vaga de ministro do Supremo Tribunal Federal.

Noutro, o senador Alessandro Vieira, relator paralelo, recomenda a rejeição do nome. Sustenta que o candidato não preenche dois requisitos constitucionais exigidos para ocupar uma poltrona na Suprema Corte. Faltam-lhe o saber jurídico e a reputação ilibada. Esse texto foi preparado para constranger, não para ser aprovado.

Antes mesmo de a assessoria de Eduardo Braga (MDB-AM) redigir o relatório oficial, sabia-se que o documento prevaleceria na CCJ. Dias depois da indicação de Kassio sua aprovação já era considera como favas contadas —na Comissão de Justiça e também no plenário do Senado.

O texto paralelo de Alessandro Vieira (Cidadania-SE) constrange porque, além de iluminar os calcanhares de vidro do futuro ministro, expõe os interesses dos que se julgam representados por ele. Formou-se ao redor de Kassio uma aliança pós-ideológica e suprapartidária.

"A presente indicação é a mais perfeita materialização do sistema de cruzamento de interesses que impera no Brasil há décadas", anota o relatório alternativo. "Não surpreende o fato de a indicação angariar apoios entusiasmados de políticos que vão do petismo ao bolsonarismo".

Numa alusão aos encontros em que Bolsonaro submeteu o seu escolhido ao aval de Gilmar Mendes e Dias Toffoli, o relator paralelo acrescentou: tampouco surpreende "a recepção expressiva por parte de ministros da Suprema Corte que confundem costumeiramente o republicano dever de urbanidade com a condenável confraternização efusiva com investigados poderosos e seus representantes."

Alessandro Vieira evocou Ruy Barbosa, o patrono do Senado: "De tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar da virtude, a rir-se da honra, a ter vergonha de ser honesto."

Valendo-se de um linguajar nada sutil, o relator alternativo insinuou que os apoiadores de Kassio nutrem interesses inconfessáveis: "Nesse esboroamento da Justiça, a mais grave de todas as ruínas é a falta de penalidade aos criminosos confessos, é a falta de punição quando se aponta um crime que envolve um nome poderoso, apontado, indicado, que todos conhecem."

Integrante do grupo Muda Senado, Alessandro Vieira realçou que o artigo 101 da Constituição exige do candidato a ministro do Supremo "notável saber jurídico" e "reputação ilibada." O documento sustenta que o preferido de Bolsonaro não preenche os requisitos.

"A notabilidade do saber jurídico pode ser aferida de modo bastante concreto", afirma o senador. "A aprovação em concursos públicos para carreiras jurídicas é boa métrica, mas não consta notícia de tais aprovações na carreira do indicado, toda ela construída com lastro em indicações políticas."

Outra forma de aferir os conhecimentos do magistrado seria a exibição de "uma carreira acadêmica sólida, com títulos regularmente conquistados e publicações reconhecidas." Entretanto, Kassio Marques "tem sido amplamente questionado acerca da higidez do seu currículo, especialmente quanto à regular obtenção dos títulos e à legítima produção de seus trabalhos acadêmicos."

O senador menciona as contestações aos "cursos de pós-graduação" e "estágios pós-doutorais" em universidades estrangeiras. Cita os trechos da dissertação de mestrado de Kassio Marques que foram copiados de texto de autoria de um amigo, o advogado Saul Tourinho Leal. Reproduziram-se inclusive "os mesmos erros de ortografia." Namíbia virou "Naníbia" nos dois textos.

O relatório feito para ser ignorado pela maioria dos senadores aponta uma deficiência na atuação de Kassio Marques como juiz do Tribunal Federal Federal da 1ª Região. Afirma que a futura toga do Supremo "tem contra si mais de 25 representações no Conselho Nacional de Justiça por excesso de prazo, além de um pedido de providências e uma reclamação disciplinar."

"É absolutamente inadequado que um postulante ao mais alto cargo do Judiciário tenha sido frequentemente representado no órgão de correição pela morosidade na tomada de decisões", escreveu o relator paralelo. "...Se no segundo grau já não foi sancionado por essas condutas —repetidas e frequentes— somos levados a crer que no Supremo estará amplamente blindado contra tais espécies de reclamação."

O senador empilhou, de resto, meia dúzia de fatos que justificariam a reprovação do candidato: desde o "possível conflito de interesses na atuação de sua irmã junto ao Grupo Petrópolis, do empresário Walter Faria, réu na Lava Jato" até "a natureza estreita de sua relação pessoal com [o governador petista do Piauí] Wellington Dias, empregador da esposa do indicado, e atualmente alvo de investigações em processos junto aos tribunais Superiores por crimes contra a administração pública."

Alessandro Vieira equipou-se para oferecer a Kassio Marques a oportunidade de exercitar na Comissão de Justiça o direito de defesa. Preparou 48 perguntas para Kassio Marques. Às voltas com a Covid-19, o relator oficial Eduardo Braga vai prevalecer sem entrar em campo. Seu relatório seria lido pelo colega Rodrigo Pacheco (DEM-MG).