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Josias de Souza

Trump faz da Casa Branca palanque para avacalhar a democracia americana

Mandel Ngan/AFP
Imagem: Mandel Ngan/AFP

Colunista do UOL

06/11/2020 03h31

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A Presidência oferece àquele que a ocupa uma tribuna especial. Algo que o ex-presidente americano Theodore Roosevelt chamou de bully pulpit —púlpito formidável, numa tradução livre. De um bom presidente, dizia Roosevelt, espera-se que aproveite a vitrine privilegiada para irradiar confiança e bons exemplos. Donald Trump fez o oposto na noite desta quinta-feira (5). Usou a Casa Branca como palanque para avacalhar a democracia dos Estados Unidos, propagando mentiras sobre o processo eleitoral americano.

Acometido pela síndrome do que está por vir, Trump reiterou que há "fraude" na sucessão presidencial americana. Sem exibir uma mísera prova, tachou de "ilegais" os votos que aproximavam o rival Joe Biden da vitória na noite passada. "Vão tentar roubar a eleição da gente", declarou, antes de desqualificar a votação pelo Correio, prevista em lei. "É um sistema que torna as pessoas corruptas." A manifestação caiu sobre a conjuntura como uma lápide. Soou como um reconhecimento da derrota.

O que Trump declarou, com outras palavras, foi mais ou menos o seguinte: "Minha reeleição corre risco porque estou sendo roubado. O sistema eleitoral da superpotência que presido há quase quatro anos —a mais badalada democracia do mundo—, está sujeito à corrupção." Na prática, Trump equiparou os Estados Unidos a uma republiqueta do porte da Venezuela. Ou as instituições do país reagem ou Juan Guaidó acabará se autoproclamando presidente paralelo dos Estados Unidos.

Há dois meses, o governo de Trump impôs sanções a autoridades venezuelanas. Reteve os bens que mantinham nos Estados Unidos e proibiu que façam transações financeiras com cidadãos americanos. Por quê? Alegou-se que as eleições legislativas que a Venezuela planeja realizar em 6 de dezembro serão fraudadas. O objetivo seria "privar o povo venezuelano de eleições livres e justas."

Trump talvez não tenha notado, mas sua penúltima coreografia eliminou a velha ilusão segundo a qual os Estados Unidos têm uma missão especial na Terra, que daria ao inquilino da Casa Branca o direito de civilizar os países bárbaros, evangelizando-os à imagem e semelhança do império. No momento, a América precisa civilizar a si mesma. Um pedaço do país parece considerar que o processo civilizatório passa pela retirada de Trump do poder. A ação de despejo chega em conta-gotas, expondo a decomposição de uma democracia.