Topo

Josias de Souza

Urnas de 2020 produzem feudalização do poder

Colunista do UOL

30/11/2020 20h03

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

O sentido geral das disputas municipais de 2020 pode ser resumido numa frase: o eleitor deu meia-volta. Nas eleições gerais de 2018, o brasileiro expressou sua irritação com um sistema político que teve as vísceras expostas pela Lava Jato. Produziu novidades como a eleição de Jair Bolsonaro e a conversão de uma legenda nanica como o PSL na segunda maior bancada da Câmara, com mais de 50 deputados, atrás apenas do PT. Graças à pandemia, o grosso do eleitorado trocou a raiva pela moderação. Premiou prefeitos bem avaliados na gestão da crise sanitária. E fugiu dos extremos.

Candidatos apoiados por Bolsonaro naufragaram. O PSL, chutado pelo presidente, não obteve uma mísera prefeitura. Pela primeira vez desde a redemocratização, em 1985, o PT não elegeu nenhum prefeito de capital. Como não fez uma autocrítica, o partido de Lula foi enviado pelo eleitor para a autopsia. No topo do ranking das legendas que mais elegeram prefeitos estão MDB, PP, PSD, PSDB e DEM. Todos têm algo em comum: em maior ou menor grau, são fornecedores de matéria-prima para a Lava Jato. Do ponto de vista estritamente estético, foi uma derrota.

Difícil dizer que efeitos as urnas de 2020 terão sobre as eleições de 2022. Mas duas coisas são visíveis. A primeira constatação é a de que o eleitor despolarizou a disputa presidencial. Ao enfraquecer ainda mais o PT, tornou mais complicada a equação para Bolsonaro. Abriu-se um caminho para o centro. Falta um nome com prestígio para, acima dos partidos, dizer como se chega ao centro. A segunda percepção, mais sólida do que a primeira é a de que o próximo presidente, seja quem for, vai lidar com um Congresso dominado pelas legendas conservadoras que fizeram o maior número de prefeitos agora, entre elas as do centrão fisiológico.

Na prática, houve uma feudalização do poder no Brasil. O presidente da República ainda não se deu conta. Mas ele facilitou a formação desse cenário de dispersão do poder quando se recusou a assumir o papel de líder do enfrentamento da crise sanitária. Acionado, o Supremo reconheceu o poder de governadores e prefeitos de atuar contra o vírus.

A decisão do Supremo não eximiu o presidente de responsabilidades. Mas Bolsonaro não quis compor um gabinete da crise em Brasília. Foi largando nacos de autoridade e poder em favor de governadores, de prefeitos e de congressistas. Quem exercitou adequadamente os poderes cedidos pelo presidente foi premiado. Bolsonaro tem dois anos para evitar uma punição do eleitorado. No seu caso, o futuro depende basicamente do comportamento da economia.