Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.
STF impõe a Moro transparência à moda Moro
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Num artigo que escreveu em 2004, bem antes de ganhar as manchetes como juiz da Lava Jato, Sergio Moro defendeu o vazamento de informações judiciais sigilosas quando a providência for motivada por um "propósito útil". Decorridos 17 anos, a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal tratou a Lava Jato à moda de Sergio Moro.
Por 4 votos a 1, o colegiado confirmou a liminar do ministro Ricardo Lewandowski, que repassara a Lula a íntegra das mensagens trocadas no escurinho do celular entre Moro e procuradores da força-tarefa de Curitiba. Mal comparando, os ministros consideram que o "propósito útil" de que falava Moro foi, neste caso, o de permitir a Lula o exercício do amplo direito de defesa.
Prevaleceu o entendimento segundo o qual o pajé do PT tem o direito de conhecer diálogos em que Moro e os procuradores, entre eles Deltan Dallagnol, combinaram estratégias que resultaram em condenações —inclusive no caso do tríplex do Guarujá, que rendeu a Lula um ano e sete meses de cana.
No artigo de 2004, Moro analisou a Operação Mãos Limpas, que varejou a máfia na Itália. Chama-se "Considerações sobre a Operação Mani Pulite." Está disponível na internet. No texto, o ex-juiz anotou que os responsáveis pelo caso "fizeram largo uso da imprensa." O resultado do trabalho "vazava como uma peneira".
Algo semelhante ocorre com a Lava Jato. Tão logo os advogados de Lula apalparam o papelório liberado por Lewandowski, os diálogos começaram a escorrer para as manchetes, completando uma exposição iniciada no ano passado pela Vaza Jato, como ficou conhecido o vazamento feito por intermédio do The Intercept.
Contratado pelos procuradores, o advogado Marcelo Knopfelmacher pediu que a defesa de Lula fosse impedida de usar as mensagens em processos judiciais. Realçou que o material é ilegal, pois foi roubado por hackers.
O doutor foi ecoado pela subprocuradora-geral da República Claudia Sampaio Marques, que invocou o direito à privacidade dos hackeados e das pessoas mencionadas nas conversas.
Para Cláudia Sampaio, Lewandowski desconsiderou "o direito à privacidade dessas pessoas." Lembrou que os hackers invadiram também mensagens do presidente da República, ministros, magistrados, parlamentares... Declarou que Lula "tem em mãos, sem qualquer tipo de controle, material relativo a opositores políticos. O uso que ele vai fazer disso aparentemente não interessa à Justiça. Todo esse material envolvia mensagens pessoais. Não se trata de atividade funcional. Havia conversas de família e de amigos de todas essas autoridades que tiveram suas comunicações hackeadas."
Único ministro a votar a favor da revogação da decisão que liberou as mensagens, o relator da Lava Jato Edson Fachin afirmou que estão em jogo não apenas os direitos processuais de Lula, mas da turma da Lava Jato.
"Se estamos a falar de garantias do devido processo legal, parece que devamos estender o garantismo a todos", afirmou Fachin. "Entendo que têm legitimidade e interesse os agravantes (procuradores da Lava Jato), porque há explicitação que pode expor violação de direitos a personalidade, até mesmo do direito a intimidade. A decisão (de Lewandowski) atinge-os diretamente."
No texto que escreveu sobre a Operação Mãos Limpas, Sergio Moro também analisou os danos que os vazamentos causam à intimidade alheia. Mas deu de ombros. Moro escreveu:
"Há sempre o risco de lesão indevida à honra do investigado ou acusado. Cabe aqui, porém, o cuidado na desvelação de fatos relativos à investigação, e não a proibição abstrata de divulgação, pois a publicidade tem objetivos legítimos e que não podem ser alcançados por outros meios. As prisões, confissões e a publicidade conferida às informações obtidas geraram um círculo virtuoso, consistindo na única explicação possível para a magnitude dos resultados obtidos pela operação Mani Pulite."
Integram a Segunda Turma do Supremo cinco ministros. Votaram a favor da entrega das mensagens a Lula, além de Lewandowski, Cármen Lúcia, Gilmar Mendes e Nunes Marques, ministro recém-indicado por Jair Bolsonaro.
Os magistrados não analisaram a validade das provas. Algo que ainda terá de ser decidido pelo plenário do Supremo. Ficou entendido, porém, que é cada vez maior a tendência da Segunda Turma de anular a sentença do caso do tríplex. Nessa hipótese, seria declarada a parcialidade de Moro e o processo retornaria à 13ª Vara de Curitiba para ser julgado novamente.
Em seu voto, Gilmar Mendes deu uma ideia do que está por vir: "Ou nós estamos diante de ficção, ou nós estamos diante de um caso extravagante. É o maior escândalo judicial da história da humanidade. É disso que estamos falando. A República de Curitiba envergonha os sistemas totalitários, eles não tiveram tanta criatividade. Da União Soviética, da Alemanha Oriental."
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