Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Deputados querem inimputabilidade das crianças
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Viva a opinião pública. A reação contra o plano da oligarquia da Câmara de assegurar uma superblindagem para os parlamentares produziu um recuo. Faltou voto para aprovar o escárnio a toque de caixa no plenário. Arthur Lira, o réu que preside a Câmara, teve de enviar a proposta para uma comissão. Mas convém manter o barulho que soou nas manchetes, nas redes sociais e nas caixas de e-mail da Câmara. O texto já sofreu alterações. Mas, no essencial, o despudor foi preservado.
Deseja-se tornar a prisão de parlamentares em flagrante numa utopia. Se por acaso a blindagem for furada, o hipotético preso será enviado ao Congresso, não à carceragem da Polícia Federal. Criam-se, de resto, novos entraves à investigação de criminosos escondidos atrás de mandatos.
A Constituição de 1988, elaborada nas pegadas da queda da ditadura militar, cercou os parlamentares de imunidades capazes de proteger o exercício do mandato. Mas os autores do texto constitucional não poderiam supor que esse antídoto necessário da imunidade viraria no futuro o veneno da impunidade.
Hoje, já vigora entre os congressistas um sistema que subverte até o brocardo. Vale a máxima segundo a qual uma mão suja a outra. Sem nenhuma alteração legislativa, Câmara e Senado já dispõem de poderes para anular ordens de prisão emitidas contra deputados e senadores, sustar ações penais e rever medidas cautelares como a suspensão do mandato ou o uso de tornozeleira.
Culpados e cúmplices com mandato podem livrar uns aos outros de incômodos judiciais. Portanto, o lamentável não é que os congressistas se consideram invioláveis e imunes. A questão é que eles ambicionam virar intocáveis e impunes.
É grande o esforço para que o Brasil retome em sua plenitude uma rotina de descaramento. Se a proposta da fuzarca prevalecer, os congressistas serão equiparados a seres inimputáveis como as crianças e os índios isolados.
O comportamento já é infantil. Ao tramar uma autoimunização que, se estivesse em vigor, impediria a prisão do deputado Daniel Silveira, avalizada pela Câmara, os deputados se comportam como crianças que brincam no barro depois do banho. Tudo isso em meio a uma pandemia que mata brasileiros em escala industrial. Ampliou-se o abismo que separa o Congresso do resto do Brasil.
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