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Josias de Souza

ANÁLISE

Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.

Julgamento sobre Moro dá ao STF cara de TSE

Colunista do UOL

23/03/2021 19h21

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Já se tornou habitual a crítica de deputados e senadores à judicialização da política. Ocorre agora o oposto. A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal conseguiu transformar o julgamento do pedido de suspeição de Sergio Moro no caso do tríplex do Guarujá num processo de politização da Justiça. Os votos dos ministros exalaram um insuportável cheiro de 2022.

Dava-se de barato que o ministro Nunes Marques, que ganhou cadeira no Supremo por dividir tubaína com Bolsonaro no Alvorada, se juntaria aos colegas Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski para formar uma maioria de 3 a 2 contra Moro. Seria o voto de minerva, pois Cármen Lúcia e Edson Fachin já tinham votado a favor de Moro em dezembro de 2018, quando o julgamento começou.

Interessava a Bolsonaro converter seu ex-ministro da Justiça, potencial adversário eleitoral, de herói da Lava Jato em juiz suspeito. De repente, o ministro de estimação do presidente deu um cavalo de pau, votando contra o pedido de suspeição formulado pela defesa de Lula.

Nunes Marques fez isso esclarecendo que lhe doía contrariar ministros com os quais tendia a concordar. Alegou que o habeas corpus não seria ferramenta adequada para invocar a suspeição de Moro. E sustentou que as mensagens hackeadas ilegalmente dos celulares da Lava Jato não poderiam ser admitidas como prova contra Moro.

O ministro Nunes Marques diz ter votado com a sua consciência. Mas não há força no universo capaz de eliminar a maledicência segundo a qual o preferido de Bolsonaro votou a favor de Moro porque, antes, o colega Edson Fachin devolvera Lula ao palanque, lavando sua ficha suja ao anular todas as condenações da Lava Jato contra ele.

Bolsonaro queria quebrar a perna de Moro, mas sem devolver Lula ao jogo eleitoral. Lula continuaria condenado no caso do sítio de Atibaia. Iria a 2022 como padrinho de um "poste petista", não como candidato.

Gilmar e Lewandowski, que em sessão anterior haviam esculachado Moro e a Lava Jato servindo-se do material hackeado, foram ao microfone para declarar que a suspeição do ex-juiz está demonstrada mesmo sem o uso das mensagens roubadas dos celulares de procuradores de Curitiba.

Súbito, Cármen Lúcia refez o voto que havia proferido em 2018. Virou de lado, favorecendo Lula. Moro tornou-se formalmente um juiz suspeito. Fachin manteve o voto de três anos atrás. Mas sua posição já havia se transformado num asterisco quando anulou as condenações de Lula.

O resultado agrada a alguns e contraria muitos outros. É do jogo. O que não deveria estar no script é a sensação incômoda de que o Supremo Tribunal Federal ganhou uma aparência de Tribunal Superior Eleitoral.