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Josias de Souza

ANÁLISE

Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.

Presença do STF e da PGR em reunião sobre comitê anticovid é um absurdo

24.mar.2021 - O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) ao lado do presidente do STF, Luiz Fux, após reunião que criou o comitê anticovid, em Brasília - Ueslei Marcelino/Reuters
24.mar.2021 - O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) ao lado do presidente do STF, Luiz Fux, após reunião que criou o comitê anticovid, em Brasília Imagem: Ueslei Marcelino/Reuters

Colunista do UOL

25/03/2021 06h16

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Espantosa época a atual, em que o absurdo vai ganhando uma admirável naturalidade. Entre os participantes da reunião que resultou na criação do comitê anticovid estavam Luiz Fux, presidente do Supremo, e Augusto Aras, procurador-geral da República.

Bolsonaro não enxergou nada de mais no convite. Ao aceitar, Fux e Aras mostraram que nada pode ser uma palavra que ultrapassa tudo. Por uma trapaça da sorte, a Ordem dos Advogados do Brasil jogou no ventilador uma representação que estimula o brasileiro a reincorporar na sua rotina o ponto de exclamação.

A peça da OAB foi protocolada na Procuradoria-Geral da República nesta quarta-feira, mesmo dia em que ocorreu o convescote presidencial. A entidade pede a responsabilização criminal de Bolsonaro pelo fiasco fúnebre em que se converteu a gestão federal da pandemia. Enumera os crimes e os artigos do Código Penal que foram violados.

Caberá a Aras decidir se a representação da OAB descerá ao arquivo ou virará uma denúncia contra Bolsonaro. Formalizada a denúncia, Fux e as outras dez togas do Supremo terão de pedir autorização à Câmara para julgar as ações e as omissões de Bolsonaro.

Já se sabia que Aras, de olho numa vaga no Supremo, tornou-se um procurador do tipo que não procura. Mas não precisa exagerar. No caso de Fux, declarações feitas defronte do Alvorada tisnaram, por assim dizer, a supremacia do Supremo.

Coordenador do comitê anticovid, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco esclareceu: "O Supremo não pode participar do comitê por dever constitucional." Informou, porém, que a Suprema Corte será informada das decisões, "até para que haja um controle prévio da constitucionalidade das medidas que serão tomadas."

Pacheco prosseguiu: "Medidas como a participação da iniciativa privada, a ampliação de leitos de UTI, a solução dos problemas de oxigênio e de insumos de medicações e, fundamentalmente, a política do Ministério da Saúde."

Fux ecoou o chefe do Senado: "O Supremo Tribunal Federal, como é o último player a aferir a legitimidade dos atos que serão praticados, não pode participar diretamente desse comitê. Entretanto, como esses problemas da pandemia exigem soluções rápidas, nós vamos verificar estratégias capazes de evitar a judicialização e a demora na tomada dessas decisões."

Na prática, converteu-se o Supremo numa espécie de consultoria-geral da República. Juízes, como se sabe, não emitem pareceres. Eles lavram sentenças. Ao final, costumam anotar: "Cumpra-se."

Em português claro. A Procuradoria-Geral da República e o Supremo Tribunal Federal existem para morder o Executivo e o Legislativo, não para mostrar os dentes para congressistas e o presidente.