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Josias de Souza

ANÁLISE

Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.

Braga Netto presenteia Bolsonaro com politização de cerimônia do Exército

Colunista do UOL

20/04/2021 16h26

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"Não queremos fazer parte da política, muito menos deixar ela entrar nos quartéis". O autor dessa frase, general Edson Leal Pujol, deixou o comando do Exército nesta terça-feira. Foi empurrado para fora do cargo por Bolsonaro. Seu substituto, o general Paulo Sérgio Nogueira, absteve-se de discursar na própria posse. Foi ao microfone o recém-nomeado ministro da Defesa, general Walter Braga Netto. Ele presenteou Bolsonaro com a politização da cerimônia militar. "É preciso respeitar o rito democrático e o projeto escolhido pela maioria dos brasileiros para conduzir os destinos do país", declarou. Presente, o capitão aplaudiu.

Às vésperas da instalação da CPI da Covid, uma comissão desengavetada pelo Senado por ordem do Supremo e na qual o governo é minoritário, Braga Netto afirmou: "O país precisa estar unido contra qualquer tipo de iniciativa de desestabilização institucional que altere o equilíbrio entre os Poderes e prejudique a prosperidade do Brasil." Num instante em que Bolsonaro chama de "projetos de ditadores" os governadores que recorrem ao "lockdown", o general afirmou: "Enganam-se aqueles que acreditam estarmos sobre um terreno fértil para iniciativas que possam colocar em risco a liberdade conquistada em nossa nação."

Braga Netto foi transferido da chefia do Gabinete Civil da Presidência para a pasta da Defesa no final do mês passado. Substituiu o general Fernando Azevedo e Silva, demitido por Bolsonaro sob atmosfera de crise. Informado de que os comandantes militares bateriam em retirada coletivamente, exonerou-os. A substituição nos comandos da Marinha e da Aeronáutica já ocorreu. Faltava a passagem de bastão do Exército, a mais aguardada. Nela, Braga Netto expressou-se como uma espécie de farda de ventríloquo. Limita-se a ecoar a voz do capitão.

A dois dias do início da Cúpula do Clima, convocada pelo presidente americano Joe Biden, Braga Netto endossou até mesmo a política antiambiental do governo Bolsonaro, aderindo ao negacionismo do desmatamento: "As discussões a respeito do bioma Amazônia voltaram à temática nacional e internacional. Mas os brasileiros que estão presentes na região sabem que a floresta continua de pé. Ninguém melhor que as Forças Armadas para conservá-la, exigindo a prontidão e um trabalho árduo e contínuo."

O ministro da Defesa conseguiu osoar esquisito até quando assegurou que os militares respeitam a Constituição. Do modo como se expressou, Braga Netto parece considerar necessário manter um olho no texto constitucional e outro na política. "As Forças Armadas mantêm foco nas missões constitucionais, atentas à conjuntura nacional e estão preparadas e prontas a servir aos interesses nacionais." Faltou definir "interesses nacionais."

É como se Braga Netto desejasse atrasar o relógio, ressuscitando um debate sobre o papel das Forças Armadas, previsto no artigo 142 da Constituição. A coisa foi potencializada no ano passado, depois que Bolsonaro soou no vídeo da reunião ministerial de 22 de abril —aquela em que os palavrões prevaleceram sobre as ideias— afirmando que "todo mundo quer fazer cumprir o artigo 142 da Constituição. E, havendo necessidade, qualquer dos Poderes pode, né?, pedir às Forças Armadas que intervenham para restabelecer a ordem no Brasil."

Grupos bolsonaristas sentiram-se à vontade para esgrimir a tese segundo a qual uma intervenção militar teria amparo legal, desde que arquitetada sob o pretexto de que as Forças Armadas atuassem como poder "moderador" de uma eventual crise institucional. Acionado, o Supremo Tribunal Federal levou o pé à porta. Num despacho, Luís Roberto Barroso tachou essa interpretação de "terraplanismo constitucional." Noutro, Luiz Fux reiterou o óbvio: as Forças Armadas não têm a atribuição de exercer o poder moderador em caso de conflito entre Executivo, Legislativo e Judiciário.

Fux escreveu: "A 'autoridade suprema' sobre as Forças Armadas conferida ao presidente da República correlaciona-se às balizas de hierarquia e de disciplina que informam a conduta militar. Entretanto, por óbvio, não se sobrepõe à separação e à harmonia entre os Poderes, cujo funcionamento livre e independente fundamenta a democracia constitucional, no âmbito da qual nenhuma autoridade está acima das demais ou fora do alcance da Constituição."

Foi contra esse pano de fundo que o general Pujol, agora expurgado do comando do Exército pelo presidente, tentou distanciar os quartéis da política. Na ocasião, Bolsonaro foi ao Twitter para expressar uma concordância retórica com o general. Fez questão de realçar na postagem que as Forças Armadas, além de observar a "hierarquia" e a "disciplina", estarão sempre "sob a autoridade suprema do Presidente da República."

Não se espera dos militares que adotem um antibolsonarismo primário. Mas também não parece razoável que incorporem o pró-bolsonarismo inocente de Braga Netto, que aceita todas as presunções de Bolsonaro a seu próprio respeito. Isso inclui concordar com a avaliação presidencial de que o general Eduardo Pazuello fez um "trabalho extraordinário" no Ministério da Saúde, que o laboratório do Exército fez muito bem em fabricar cloroquina em escala industrial e que a culpa pelos quase 400 mil mortos é dos outros.

Segundo a superstição que vigorou no início do governo, os generais recrutados para comandar escrivaninhas no Planalto atuariam como moderadores de Bolsonaro, um capitão mercurial que foi expurgado do Exército por indisciplina. Deu-se o oposto. Infectados pelos excessos do chefe, os generais sofreram um inusitado processo de "bolsonarização". Deslocado da Casa Civil para a Defesa, Braga Netto é uma variante dessa cepa de fardas bolsonarizadas. A recomposição da imagem das Forças Armadas será custosa e demorada.