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Josias de Souza

ANÁLISE

Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.

Cúpula do Clima: promessas de Bolsonaro esbarram nas ações de Bolsonaro

Colunista do UOL

22/04/2021 15h26

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Bolsonaro revelou na abertura da Cúpula do Clima uma insuspeitada preocupação com o meio ambiente. Cioso da necessidade de refrear o aquecimento global, antecipou em dez anos —de 2060 para 2050— a meta assumida pelo Brasil de zerar as emissões de gases do efeito estufa. Bolsonaro expressou-se em timbre respeitoso, ponderado e conciliador. Ou seja: estava completamente fora de si.

A fala de Bolsonaro seria perfeita como discurso de posse. Decorridos dois anos e quatro meses de mandato, o pronunciamento não fica em pé, pois a prática de Bolsonaro desqualifica as promessas de Bolsonaro. Até aqui, o capitão assegurava que não havia problemas ambientais no Brasil. Quando questionado sobre queimadas e recordes de desmatamento retirava culpados do bolso do paletó.

Para Bolsonaro, tudo não passava de um complô do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) com ONGs, mancomunadas com a mídia comunista; com os governos da Noruega e da Alemanha, que escondiam segundas intenções atrás de doações bilionárias para o Fundo Amazônia; e com líderes como francês Emmanoel Macron que, além de não ter competência para arrumar uma mulher bonita, tramava contra a soberania do Brasil na floresta. Isso não tinha como acabar bem.

Desde 1992, quando sediou a Eco-92, o Brasil recebia tratamento de potência ambiental. Perdeu prestígio. A Casa Branca acomodou Bolsonaro numa constrangedora 19ª posição na fila de oradores. O anfitrião Joe Biden cuidou de ausentar-se da videoconferência minutos antes da manifestação do capitão. Para bom entendedor, uma fugidinha basta.

Escorando-se em conquistas de governos que abomina, Bolsonaro declarou que o Brasil posicionou-se na "vanguarda do enfrentamento ao aquecimento global". E estendeu o chapéu: "É preciso haver justa remuneração pelos serviços ambientais prestados por nossos biomas ao planeta", ele disse. "Estamos abertos à cooperação internacional."

A diplomacia americana considerou bom, muito bom, excelente o posicionamento dessa versão inédita de Bolsonaro que estreou na Cúpula do Clima. A Casa Branca celebra a perspectiva de verificar os resultados práticos que o novo presidente do Brasil será capaz de apresentar —não em 2050, na meta de emissão de gases, mas no final deste ano de 2021, nas taxas de desmatamento da floresta amazônica.

Desde sua chegada ao Planalto, além de questionar dados científicos do Inpe, Bolsonaro avalizou o esvaziamento da máquina ambiental, desautorizou fiscais do Ibama, rasgou bilhões em doações internacionais, proibiu novas demarcações de terras indígenas, guerreou pela legalização de garimpos e madeireiras ilegais... Há poucos dias, mandou afastar da chefia da Polícia Federal no Amazonas o delegado que denunciou seu ministro do Meio Ambiente por defender criminosos pilhados na maior apreensão de madeira ilegal da história.

Nada como um passado como esse para desacreditar o futuro. Do modo como se expressou, Bolsonaro quis fazer crer que a proteção absoluta do meio ambiente no Brasil está ali, na esquina, radiosa, bem palpável, não apenas na retórica. O problema é que o futuro é um espaço muito impreciso, que qualquer um pode vender para si mesmo ou para outros crédulos. No futuro de Bolsonaro, cabem todos e tudo. Natural, pois o futuro não pode ser cobrado ou conferido.

O problema é que, para obter recursos internacionais, o presidente brasileiro precisaria responder a duas indagações singelas: Que fim levaram os anos de 2019 e 2020, futuro da campanha presidencial de 2018. O futuro, como se sabe, a Deus pertence. Mas os líderes mundiais e a plateia nacional se perguntam: a quem pertence o desastre ambiental ocorrido no Brasil nos últimos dois anos? Se retornasse à Terra, Jesus se apressaria em encarecer: "Incluam o Pai fora dessa!"