Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.
Até governistas torcem nariz para Araújo na CPI
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O ex-chanceler Ernesto Araújo despreza os senadores que integram a CPI da Covid. Enxerga um comunista enterrado dentro de cada oposicionista. Vê os governistas como oportunistas. O desapreço é plenamente correspondido. Até os aliados de Bolsonaro torcem o nariz para o depoente desta terça-feira.
Cientes da aversão recíproca, os operadores do Planalto receiam que, ao ser espremido durante várias horas, Araújo acabe despejando sobre o microfone da CPI as mágoas que o consomem desde que teve de deixar o comando do Itamaraty, em 29 de março.
Ernesto Araújo não obteve do Planalto a mesma atenção dedicada ao ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello. Equipou-se para o depoimento sem a assessoria de defensores da Advocacia Geral da União. Recebe orientação jurídica do advogado Rafael Martins. Absteve-se de pleitear no Supremo Tribunal Federal o direito ao silêncio, pois não se considera investigado.
O ex-chanceler ouviu palpites do amigo e assessor internacional da Presidência da República Filipe Martins, aquele que foi filmado dias atrás fazendo o gesto dos supremacistas brancos durante discurso do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco. É outro personagem que tem ojeriza à maioria dos parlamentares. E vice-versa.
A despeito da desatenção com que foi tratado em comparação com Pazuello, os temas centrais do depoimento de Araújo são os mesmos que constrangerão o general no dia seguinte: cloroquina e vacinas. Terá de explicar por que molhou o paletó para buscar cloroquina no exterior e negligenciou a procura por vacinas. Pior: dedicou-se a espinafrar a Organização Mundial da Saúde e a cutucar a China com o pé para ver se Pequim morde.
Após atacar o "covidismo" que diz ter surgido nas pegadas da disseminação do "comunavírus" pelos chineses, Araújo foi intimado pelas circunstâncias a buscar no estrangeiro, sobretudo na China, os insumos hospitalares que escasseiam no Brasil. Tarde demais. Embora o Itamaraty simule normalidade nas relações com a China, Pequim morde o Brasil racionando matéria-prima para a fabricação de vacinas no Butantan e na Fiocruz.
Trancado em seus rancores, Ernesto Araújo verteu parte do ressentimento que coleciona desde que perdeu a chefia do Itamaraty num lote de postagens no Twitter. Deu-se em 1º de maio.
Araújo escreveu coisas assim: "Ao eleger o presidente Bolsonaro, em 2018, o povo brasileiro ganhou a chance de transformar o Brasil, de uma cleptocracia numa verdadeira democracia. Chegamos a avançar. Mas, a partir de meados de 2020, a reação do sistema, cavalgando a pandemia, começou a desmantelar essa esperança."
Tomado pelas palavras, o ex-chanceler atribui sua frustração não a Bolsonaro, mas à turma do centrão. "Um governo popular, audaz e visionário foi-se transformando numa administração tecnocrática sem alma nem ideal", escreveu. "Penhoraram o coração do povo ao sistema. O projeto de construir uma grande nação minguou no projeto de construir uma base parlamentar."
Um governo popular, audaz e visionário foi-se transformando numa administração tecnocrática sem alma nem ideal. Penhoraram o coração do povo ao sistema. O projeto de construir uma grande nação minguou no projeto de construir uma base parlamentar.
-- Ernesto Araújo (@ernestofaraujo) May 1, 2021
Se Luis Fernando Verissimo não tivesse matado a Velhinha de Taubaté, a veneranda senhora gritaria para Araújo: "Fala séééério!" Ernesto Araújo realmente acreditou que Bolsonaro seria algo novo na Presidência. Embora o capitão fosse egresso do PP, epicentro do centrão, o mago da diplomacia supôs que seria impossível vê-lo recorrendo ao fisiologismo sem untar o corpo com álcool em gel.
Diante de tanta credulidade, é compreensível que Araújo não tenha percebido que, embora odeie a realidade, ela continua sendo o único lugar onde se pode conseguir algumas doses de vacina.
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